Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Afinal, o que é mais importante: o conhecimento ou a opinião?

Reflexão em tempos de negacionismo, cloroquina e “conspiração chinesa”

 

Por Mateus Cunha [1] 

 

Em virtude dos recentes acontecimentos provocados pela pandemia de COVID-19, muitas pessoas têm depositado sua confiança em crenças populares e teorias conspiratórias, mas a questão é: afinal, o que é mais importante? O conhecimento ou a opinião?

Um bom ponto de partida pode ser analisar os significados das palavras. De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a palavra opinião vem do verbo latino opināre, que significa “dar seu parecer, seu julgamento” (CUNHA, 2015). Já conhecimento deriva do verbo cognōscēre, raiz do substantivo cognoscível, que significa “aquilo que pode ser conhecido”.

Com base nessa análise, podemos observar que a opinião é subjetiva, isto é, depende do ponto de vista do indivíduo, já o conhecimento pode ser retratado como um saber objetivo e reconhecido como verdadeiro. A opinião está para o sujeito, enquanto o conhecimento está para a realidade concreta.

O conhecimento é infalível? Não, mas é confiável, pois pode ser verificado através de estudo metódico. Com isso, chegamos à questão científica. A ciência tem como objetivo obter conhecimento verdadeiro acerca da realidade. Através da observação sistemática, do raciocínio lógico e da experimentação, os cientistas formulam teorias para explicar os porquês das coisas. Essas teorias não são provadas, mas corroboradas, isto é, quando fundamentadas por evidências, são avaliadas por outros cientistas, que podem validá-las.

 

Francis Bacon. Créditos da imagem: Editora Unesp.

Francis Bacon. Créditos da imagem: Editora Unesp.

O método científico pode incluir, ainda, a repetição do experimento. Essa adição proposta pelo filósofo inglês Francis Bacon foi de suma importância para o desenvolvimento da ciência moderna, pois, em tese, aplicando os mesmos métodos, outros cientistas devem chegar a resultados idênticos. Escreve Bacon (2000, p. 30): “a melhor demonstração é, de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento”.

Uma vez que um conhecimento é aceito pela comunidade científica como válido (provisoriamente, pois novas descobertas podem refutá-lo), outros estudos são realizados, gerando novos conhecimentos. É assim que o sistema científico funciona. Cientistas pesquisam e avaliam seus trabalhos em um ciclo ininterrupto [2].

No percurso em busca de conhecimento, Descartes (1997, p. 27) ressalta que “para examinar a verdade é necessário, pelo menos uma vez na vida, pôr todas as coisas em dúvida, tanto quanto se puder”. Portanto, o cientista deve estar disposto a questionar as suas crenças, deixando que a razão e os fatos falem mais alto.

 

 

Nesse sentido, diferentemente da opinião, a ciência consiste em conhecimento verificável. Isso não significa que ela propague verdades inquestionáveis, mas, como exposto, há um conjunto de estudos confiáveis que embasa as evidências encontradas.

Talvez a análise de um exemplo polêmico, mas cirúrgico, possa ajudar a esclarecer a questão: a cloroquina cura ou não a doença provocada pelo novo coronavírus?

Até o momento, não há unanimidade científica, mas a maior parte dos estudos aponta que a droga não é eficaz. Diante disso, qual a atitude mais razoável: acreditar na maioria ou nas exceções?

 

Com isso, voltamos à problemática da opinião versus conhecimento.

 

Plaquinol, medicamento com base no sulfato de hidroxicloroquina, derivado da cloroquina. Créditos da imagem: Getty Images.

Plaquinol, medicamento com base no sulfato de hidroxicloroquina, derivado da cloroquina. Créditos da imagem: Getty Images.

Lamentavelmente, o que temos presenciado no Brasil é a tentativa de “politizar” uma questão que é, fundamentalmente, científica. Entenda. Se você, caro leitor, teve contato com pessoas que relataram que foram curadas pela cloroquina, esse conhecimento é verificável? De início, tem certeza absoluta que essas pessoas realmente tiveram a doença? Em caso positivo, testemunhou os momentos em que tomaram o medicamento? E se tomaram, pode provar a sua eficácia?

Até pode ser que, após diagnóstico preciso, você mesmo tenha tomado o medicamento e acabou sarando da doença. Com base na sua experiência, podemos estabelecer uma relação de causa e efeito? Vejamos. Em agosto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que a taxa de mortalidade da doença era de 0,6%. Isso quer dizer que, naquele momento, 99,4% das pessoas infectadas já tinham sido curadas, com ou sem o uso da cloroquina. Há casos de pessoas que são hospitalizadas, de pessoas que apresentam sintomas “comuns” e são tratadas com remédios tradicionais e, ainda, de pessoas que são assintomáticas. Se todos os infectados viessem a óbito, a não ser os que tivessem tomado a cloroquina, haveria uma grande probabilidade da sua eficácia, mas não é o caso.

 

Portanto, se mesmo deparado com o conjunto de evidências que indicam o contrário, o indivíduo insiste em afirmar que a cloroquina funciona, ainda que, no futuro, a sua eficácia seja reconhecida cientificamente, a conclusão lógica é que, no momento, a sua opinião assume maior valor de verdade do que o conhecimento verificável.

O problema da opinião é que ela é subjetiva, isto é, cada um pode ter a sua, de acordo com a sua compreensão da realidade. Quando uma opinião é aceita coletivamente, ganha força a ponto de se tornar uma crença popular, mas isso prova que ela é verdadeira? Tem pessoas que acreditam que quebrar espelho dá azar, outras garantem que a Terra é plana — mesmo com todas as evidências que apontam para o fato dela ser esférica — e outras, ainda, pensam que o novo coronavírus foi criado pelos chineses para dominar o mundo. Existem evidências consistentes que corroboram essas opiniões? Não, não existem, pois são meras especulações. Já questões científicas são diferentes. Mesmo que não seja possível apresentar uma prova irrefutável, o acúmulo de evidências aponta para o conhecimento verdadeiro — quer você goste ou não.

 

 

[1] Mateus Cunha é Publicitário e Mestre em Comunicação pela UFSM.

[2] A título de ilustração, antes de ser publicado, este texto passou por uma avaliação.

 

Referências bibliográficas:

BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. Tradução de José Aluysio Reis de Andrade. Pará de Minas: Virtual Books, 2000.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.

DESCARTES, René. Princípios da filosofia. Tradução de João Gama. Lisboa: Edições 70, 1997.