Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

O Espírito do Tempo

A ascensão do nazismo ocorreu num período em que a desesperança tomou conta da nação, com forte crise econômica decorrente da espoliação  imposta à Alemanha pelos aliados vencedores da Primeira Guerra Mundial, somada a administrações que não conseguiam resolver problemas básicos da economia alemã, agravados com a Crise de 1929 e a piora daquilo que já estava ruim, com aumento do desemprego, da inflação, da fome.

Neste cenário, a polarização ideológica gerou o choque entre duas propostas de nova ordem social, com a influência socialista soviética e seu apelo internacionalista às classes trabalhadoras em contraponto a influência fascista, originalmente italiana, e seu apelo nacionalista à união de empresários e trabalhadores.

Propostas distintas que colocavam em xeque os fundamentos do estado democrático de então, com preceitos de ditaduras do proletariado ou de uma elite ufanista.

Esta polarização, na política, levou democraticamente os nazistas ao poder com um crescimento diretamente proporcional ao tamanho da crise que assolava a nação: de apenas 3% dos votos ao Parlamento Alemão nas eleições de 1924 a 33% dos votos em 1932.

 

Quanto maior a crise, maior a crença em soluções milagrosas.

O Partido Nazista (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães) conseguiu construir uma maioria parlamentar calcado num discurso populista, com propostas simplistas para problemas complexos, enfatizadas pela oratória inebriante de um líder que ascendia ao poder com o apoio popular, com discursos simplistas que enalteciam  a nação, os patriotas, os homens de bem, destacando sua exploração por uma elite financeira internacional que não permitia o crescimento da nação e, consequentemente, a melhora da qualidade de vida de seu povo.

Esse discurso populista foi encampado por lideranças de tradicionais partidos conservadores interessados em permanecer no poder, o que os fez apoiar a condução de Adolf Hitler ao cargo de chanceler, em 1933, para consolidar a aliança entre conservadores e nazistas contra o crescimento do partido comunista.

Os conservadores e sua burocracia aristocrática desprezavam o simplismo dos nazistas; originários das classe populares, sem a mesma ilustração que os membros da elite.

Entretanto, o pragmatismo dos nazistas superou a fleuma intelectual conservadora com ações que sepultaram a democracia, os comunistas e os próprios conservadores que ousassem atrapalhar a trilha para a construção de uma nova Alemanha.

Logo no início de 1933 um incêndio destrói o Parlamento Alemão e os nazistas culpam os comunistas pelo fogo criminoso, o que é o pretexto para um auto golpe de estado que confere poderes ditatoriais ao chanceler Hitler, que acaba com todos os partidos políticos, exceto o Partido Nacional Socialista e passa a perseguir de modo progressivamente ostensivo os seus opositores. Em 1934, com a morte do presidente Hindenburg, os cargos de Chanceler (Reichskanzler) e Presidente (Reichspräsident) são unificados sob a direção de Adolf Hitler, o Fuhrer.

Consolidava-se a liderança nazista e, com a premissa de que os fins justificam os meios, Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, implementou uma impressionante máquina de comunicação persuasiva, na qual foi construída uma narrativa mítica que ressaltava a versão sobre os fatos para destacar a competência do Fuhrer e do partido.

Para a comunicação governamental nazista:

Tudo interessa no jogo da propaganda: mentiras, calúnias; para mentir, que seja grande a mentira, pois assim sendo, nem passará pela cabeça das pessoas ser possível arquitetar tão profunda falsificação da verdade” (PEREIRA, Wagner P. O Poder das Imagens, 2012, p. 100)[i].

O maniqueísmo da mensagem, opondo o bem e o mal, facilitava a compreensão das massas. O predomínio da imagem sobre a explicação, do sensível sobre o racional.

Os nazistas elaboraram uma síntese de todas as técnicas de manipulação da opinião pública até então existentes, mesclando elementos da mitologia germânica e da liturgia católica com técnicas modernas de agitação comunista, publicidade comercial americana e psicologia de massas. Tudo, somado ao controle estatal dos meios de comunicação de massa possibilitou condicionar o povo alemão (PEREIRA, Wagner P. O Poder das Imagens, 2012).

Nesta forma de comunicação persuasiva, planejada e onipresente, a utilização da desinformação era uma das principais estratégias para a dominação, e a desmoralização e desmonte da imprensa independente era uma necessidade, em contraponto ao investimento oficial em veículos que dessem suporte aos valores patrióticos nazistas, como o Völkischer Beobachter (Observador Nacional) e Der Stürmer.

Na verdade, o conjunto de mídias estava sob tutela do governo, com uma política cultural agressiva de fomento econômico às artes e cultura nazistas e a censura daquelas que poderiam ter imagens negativas quanto ao funcionamento do regime.

Isto formava uma percepção de mundo que questionava qualquer informação que não fosse consonante ao propagado para forjar o imaginário nazista. Valendo-se desta ostensiva máquina de propaganda, o nazismo consolidou o antissemitismo e o antibolchevismo como os inimigos do povo, construindo até mesmo narrativas paradoxais, como a junção de banqueiros internacionais judeus com bolchevistas soviéticos com o intuito de levar o comunismo ao mundo!

O resto desta história, todos sabemos

Ou achávamos que sabíamos, até a recente onda de revisionismo histórico, anticientificismo e mistificação religiosa que tem crescido internacionalmente, dando o suporte para lideranças populistas e autocráticas que se valem das mesmas técnicas nazistas para atingir (ou manter) o poder.

Agora afirma-se que o nazismo é de esquerda, que o aquecimento global tem causas naturais,  que a religião deve estar presente nas políticas públicas propostas pelo Estado laico, que organismos multilaterais não têm credibilidade para questionar os caminhos da nação e que  pregam valores não condizentes com valores morais da família brasileira, que a imprensa que ataca o governo é mentirosa enquanto a que adula é valorizada, que a pandemia de coronavírus é uma letal arma biológica chinesa com objetivo de desestruturar a economia global para implantar o comunismo embora não passa de uma simples gripe.

A administração federal brasileira virou uma fábrica de desinformação e de construção de realidades paralelas num ritmo avassalador impelindo à descrença do saber constituído e gerando a imersão numa realidade ficcional, com narrativa planejada para justificar ações variadas e aparentemente desconexas, com o objetivo de conquistar o apoio popular com a reiteração de simplismos e preconceitos que caracterizam a percepção de mundo do homem comum  brasileiro, reforçadas pelo comportamento presidencial e que, em última instância, visa  a manutenção no poder, de modo absoluto e sem amarras.

Ainda que com estratégias comunicacionais bastante semelhantes, de forma alguma está se afirmando aqui que a administração brasileira tenha debaixo de suas asas uma ideologia que fracassou no século passado.

Mas vale lembrar que “O Estranho Caso do Dr. Jekyll & Mr.Hyde”, ficção escrita pelo escocês Robert Louis Stevenson e publicada em 1886, foi  materializada por lideranças populistas maniqueístas que justificaram loucuras pela defesa de seus ideais.

A história dá voltas, assim como a Terra. Mas o roteiro sempre tem elementos comuns. Resta saber como acaba a versão mais recente, nacionalizada sem o auxílio da lei Rouanet.

Autor: Ary Azevedo

[1] PEREIRA, Wagner Pinheiro.     Poder    das    Imagens:    Cinema    e    Política    nos    governos    de    Adolf    Hitler    e    de    Franklin    D.    Roosevelt.    São    Paulo:    Alameda,   2012.    700p