Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Não, pô! A negação da pandemia nas palavras de Jair Bolsonaro

 

Por Ricardo Tesseroli [1] e Pedro C. Pimentel [2]

 

O primeiro caso confirmado de Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 26 de fevereiro de 2020. Já a primeira morte foi confirmada no dia 12 de março. Até aquele momento, a pandemia do coronavírus vinha sendo menosprezada no país pelo atual presidente, Jair Bolsonaro. Mas os números de contaminados e mortes vinham crescendo a taxas exponenciais desde então.

A forma como Bolsonaro conduziu a gestão de ações para o enfrentamento da pandemia e as relações com o Ministério da Saúde demonstraram que a maior preocupação do presidente residia na área econômica. Segundo Bolsonaro (14/mai), embora estivessem morrendo pessoas, iria “morrer muito, muito, mas muito mais se a economia continuar sendo destroçada por essas medidas (de afastamento social)”. Assim, era necessário “abandonar o conceito de terra arrasada” (Bolsonaro, 24/mar) reabrindo o comércio e liberando o transporte em todo o país.

Diante desse contexto, o objetivo desta pequena reflexão não é apresentar erros e/ou acertos da gestão Bolsonaro, mas falar sobre a comunicação pública do seu governo no que diz respeito ao contingenciamento da pandemia de coronavírus. Para esclarecer, comunicação pública “pode se referir a qualquer comunicação produzida e publicizada por qualquer ator social, sob qualquer forma discursiva que reflita, crie e oriente o debate sobre questões públicas” (LOCATELLI, 2017, p. 191).

É importante levarmos em consideração que um elemento essencial na compreensão do conceito reside na ótica estatal-governamental apresentada por Zémor (1995 apud HERMEL, 1995) como um conjunto de mensagens emitidas pelos poderes públicos sob a condição de uma comunicação formal. A comunicação pública de um governo tem como objetivos, portanto, promover mudanças e o compartilhamento de informações de utilidade pública, a manutenção de uma coesão social, a melhora do conhecimento cívico, facilitar a ação pública e garantir debates políticos.

Podemos observar um papel fundamental na comunicação pública para fortalecer ou alterar o conhecimento do senso comum, do saber popular e dos significados sociais dados por grupos aos quais diferentes sujeitos pertencem. Ou seja, é possível dizer que a comunicação pública exerce papel essencial naquilo que Moscovici (1978) apresentou como representações sociais, as quais “(…) nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva” (JODELET, 2001, p. 17).

Tendo em vista a relevância da maneira como representamos socialmente determinadas questões, percebe-se a importância da forma pela qual um presidente da República se refere à pandemia de coronavírus: cada palavra poderá influenciar pessoas a agirem de determinada maneira. Isto é, colaborar com o enfrentamento da crise adotando protocolos de segurança previstos por órgãos internacionais, ou ignorar e até mesmo negar a gravidade da situação.

Diante desse contexto, nos questionamos como Bolsonaro abordou a pandemia de coronavírus desde que o cenário apontava o início de uma crise no Brasil. E para isso, coletamos 67 declarações compiladas pela imprensa nacional que foram dadas pelo presidente em diferentes ocasiões entre os meses de janeiro e novembro de 2020.

A partir dessas declarações desenvolvemos uma análise de similitude para avaliar a proximidade das palavras proferidas por Bolsonaro utilizando o software livre Iramuteq. A análise está representada visualmente por meio de um grafo (árvore máxima de palavras) que apresenta a relação e o grau de conectividade entre os elementos de um corpus textual. Quanto maior a palavra, mais vezes foi utilizada, quanto mais próximas, maior a relação entre elas (Donato et al., 2017).aaaNa árvore máxima de palavras, a palavra que forma o núcleo central das declarações de Bolsonaro é o advérbio de negação “não”, o que indica a constante postura negacionista em relação à gravidade da crise de saúde pública que vem assolando o país. Isso fica claro na declaração do dia 10 de março, na qual Bolsonaro disse que “Muito do que falam é fantasia, isso não é crise”.

Ainda, diretamente relacionado à negação, estão os entraves com as ações tomadas pelo “governador” de “São Paulo”, afinal, no dia 10 de novembro o presidente afirmou o seguinte: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la (…) Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Assim, ao dizer que estava vencendo, Bolsonaro não se referia à pandemia, mas a brigas políticas com seus adversários. A pandemia é uma questão pessoal, uma questão de opinião, de ego.

Como eixos paralelos ao núcleo central, são encontrados o substantivo “vírus” e o advérbio de intensidade “mais”. A percepção de Bolsonaro em relação ao “vírus”, vem de sua negação de que “não há motivo para pânico” (Bolsonaro, 06/março). A ilustração de que a pandemia é como uma chuva que viria a molhar todo mundo, mas ninguém morreria afogado é uma tentativa de reduzir a grave crise que já matou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo. Já em relação à palavra “mais”, Bolsonaro chega a ser sarcástico ao dizer que “Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. É a vida.”

Ao que tudo indica, se depender do presidente, a realidade não é uma realidade de pandemia, mas uma realidade criada por ele mesmo em “país de maricas” que precisa enfrentar a pandemia “de peito aberto, lutar.” (Bolsonaro, 11/nov). Talvez o capitão tenha faltado às aulas em que discutiam Sun Tzu na academia militar, pois “Triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando esperar.”

É claro que são palavras e somente palavras. Mas palavras proferidas pelo presidente de um país têm peso considerável, principalmente se lembrarmos o que falamos acima sobre a comunicação pública, que ela tem “papel fundamental para fortalecer ou alterar o conhecimento do senso comum”. Nesse aspecto percebemos raízes comunicacionais no discurso recorrente do presidente sobre a pandemia e a gravidade da Covid-19, direcionado a seu eleitorado cativo, reforçando o senso comum negacionista de muitos de seus eleitores e constantemente pregado pelas suas falas.

 

 

[1] Ricardo Tesseroli é Doutorando e Mestre em Comunicação Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral (CEL-UFPR). Especialista em Comunicação, Política e Atores Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Especialista em Comunicação Política e Imagem pela UFPR. Jornalista formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. Organizador dos livros: O Brasil vai às urnas: as campanhas eleitorais para presidente na TV e internet (2019) e As Eleições Estaduais no Brasil: estratégias de campanha para TV (2019).

[2] Pedro C. Pimentel é mestre em Comunicação pela UFPR e atualmente está em processo de doutoramento em Administração, estudando estratégias de marketing e ativismos de marcas. Organizador dos livros: “O Brasil vai às urnas: as campanhas eleitorais para presidente na TV e internet” (EDUEPB, 2019) e “As Eleições Estaduais no Brasil: estratégias de campanha para TV” (Ed. Syntagma, 2019), foi professor substituto (2018-2020) do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

 

Referências:

DONATO, S. P.; ENS, R. T.; FAVORETO, E. D. de A.; PULLIN, E. M. M. P. Da análise de similitude ao grupo focal: estratégias para estudos na abordagem estrutural das representações sociais. Revista Educação e Cultura Contemporânea, v.14, n.37, 2017.

HERMEL, Laurent. Pierre Zémor: La communication publique. Politiques et management public, v. 13, n. 2, 1995. 50e numéro. Cahier 1. pp. 152-154.

JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001.

LOCATELLI, C. Comunicação pública e barragens – estratégias e atores. In: WEBER, M. H.; COELHOS, M. P.; LOCATELLI, C. (org.) Comunicação pública e política – pesquisa e práticas. Florianópolis : Insular, 2017.

MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

 

Falas de Bolsonaro:

25 ‘pérolas’ de Bolsonaro sobre a pandemia – e contando | Jornal de Brasília (jornaldebrasilia.com.br)

Coronavírus: “Tem medo do quê? Enfrenta”: Lembre frases de Bolsonaro durante a pandemia (uol.com.br)

COVID-19: ‘país de maricas’ e outras 8 frases de Bolsonaro sobre pandemia que matou 162 mil pessoas no Brasil – Politica – Estado de Minas

Da ‘gripezinha’ ao ‘vamos tocar a vida’, relembre declarações de Bolsonaro sobre a pandemia do novo coronavírus (globo.com)

Veja frases de Bolsonaro durante a pandemia do novo coronavírus | Política | G1 (globo.com)