Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

O Brasil de Bolsonaro: incompreensão ou incoerência?

 

Por Pedro Chapaval Pimentel [1] 

 

No dia 22 de setembro de 2020, o Brasil retornou à Assembleia Geral das Nações Unidas, mantendo a tradição de ser o primeiro país a apresentar-se na tribuna desde 1955. Neste ano, contudo, a pandemia de COVID-19 ditou o tom da 75ª Assembleia Geral da ONU. A diplomacia que outrora era realizada, principalmente, em corredores e encontros bilaterais cedeu lugar à chamada Zoom Diplomacy. Nesta edição, os representantes de cada Estado-membro receberam 15 minutos para a reprodução de discursos gravados e enviados com antecedência para a organização.

Na Zoom Diplomacy, um discurso diplomático se tornou uma ferramenta de comunicação política ainda mais relevante no cenário internacional. Afinal, “o que caracteriza o discurso diplomático é seu gesto político: ele versa retoricamente sobre um posicionamento oficial, buscando exercitar a existência de dissensos por meio do diálogo a fim de favorecer o viés do seu orador” (PIMENTEL; PANKE, 2020).

Desse modo, a análise do viés de Jair Bolsonaro se deu a partir de uma nuvem de palavras produzida no software livre Iramuteq. Nela, é possível visualizar um conjunto de palavras-chave agrupadas, organizadas e estruturadas de modo que as palavras mais importantes estão mais perto do centro e graficamente são escritas com fontes maiores.

Nuvem de palavras referente ao discurso de Bolsonaro. Fonte: elaborado pelo autor.

Nuvem de palavras referente ao discurso de Bolsonaro. Fonte: elaborado pelo autor.

Como já era de se esperar, houve um destaque ao próprio país no discurso de Bolsonaro com a palavra “Brasil” como elemento central da nuvem (PIMENTEL, 2018). Em um discurso bastante defensivo, Bolsonaro destacou o Brasil sob aspectos de grandeza (mais e maior) e afirmou que, sob seu governo, o Brasil trabalha por valores e princípios alinhados à Organização das Nações Unidas: liberdade e paz.

Quando nos dedicamos a ouvir o discurso completo, chama a atenção o tempo destinado à questão ambiental. Embora o meio ambiente tenha sido um assunto periférico desde 1985, as incisivas críticas à gestão Bolsonaro justificariam essa ênfase em 2019 e agora em 2020. Desta vez, o tema apareceu sob inúmeras palavras e expressões na nuvem como “meio ambiente”, “floresta” e “proteção”.

Vale destacar que Bolsonaro relaciona a flora brasileira ao agronegócio, pois palavras como “economia”, “alimentar”, “campo” e “produção” surgiram a reboque de uma dita preservação do meio ambiente. Na verdade, isso não é nenhuma novidade, pois recentemente o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles havia defendido que “porque só fala de COVID e (era o momento de) ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

Paradoxalmente, o Brasil de Bolsonaro é um país injustiçado por campanhas “aproveitadoras e impatrióticas”. Para ele, embora esteja fazendo tantas coisas pela sua população em meio à pandemia de COVID-19 e contribuindo tanto para o mundo em termos de direitos humanos, liberdade, desenvolvimento e paz, o Brasil seria uma vítima “de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”.

Quem dera não houvesse inúmeras incoerências relacionadas ao tema no discurso de Bolsonaro, que essa fosse apenas uma campanha de desinformação e que a floresta brasileira não estivesse ardendo em chamas. A resposta da pergunta do título pode ficar com você, leitora ou leitor: o Brasil de Bolsonaro é um Brasil incompreendido ou incoerente?

 

 

[1] Pedro Chapaval Pimentel é Mestre em Comunicação pelo PPGCOM (UFPR) e Doutorando em Administração no PPGADM (UFPR). Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral, desenvolve suas pesquisas sobre comunicação política e governamental e estratégias de marketing.

 

Referências:

PIMENTEL, Pedro; PANKE, Luciana. Discursos diplomáticos: objeto de pesquisa da Comunicação Política? Intercom, Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. 43, n. 2, p. 53-71, 2020. https://doi.org/10.1590/1809-5844202023

PIMENTEL, Pedro. Qual Brasil os representantes brasileiros levam para as Nações Unidas? Os discursos diplomáticos na abertura da Assembleia Geral (1985-2017). Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Comunicação). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2018.