Por Pedro Chapaval Pimentel [1] e Vitor Matheus Beira Machado [2]
Logo após ser diagnosticado com câncer em 2011, Hugo Chávez ventilou a existência de uma “tecnologia americana para induzir ao câncer”. E, por mais paradoxal que seja, mais recentemente, Jair Bolsonaro disse estar convencido de que a pandemia de coronavírus seria um plano do governo chinês para recuperar a economia do país.
Não somos os únicos privilegiados com teorias da conspiração. Até porque não é de hoje que elas andam lado a lado com o enfrentamento de epidemias. Em 1904, o Rio de Janeiro era uma “cidade febril”. Varíola, febre amarela, e a peste bubônica eram apenas alguns dos males que assolavam o então Distrito Federal brasileiro. Na ocasião, o presidente Rodrigues Alves empreendeu uma campanha de vacinação obrigatória para erradicar a varíola, que foi liderada pelo médico Oswaldo Cruz.
A campanha, tragicamente, serviu como estopim para a chamada Revolta da Vacina. Embora haja diferentes interpretações, no livro Cidade Febril, Sidney Chalhoub conta que o medo da vacina foi resultado da falta de informação por parte da população. Já Lilia Schwarcz, conta que corriam boatos de que as pessoas que tomassem a vacina ficariam com cara de bezerro, afinal, era uma vacina extraída de vacas.
É claro que podemos jogar tudo na conta da sociedade, ou pejorativamente, do povo. Mas vale lembrar que Rodrigues Alves ficou conhecido pela alcunha de “Soneca”. Para Schwarcz, uma das explicações para o apelido é que o então presidente tinha uma formação extremamente técnica e acreditava que não era necessário conversar com o povo. Esse foi um erro crasso de Rodrigues Alves, pois grandes medidas podem ser mal compreendidas se não forem bem comunicadas. Afinal, a função de um bom estadista é achar meios de falar com a população. E é a esse ponto que dedicamos este ensaio.
Bom, escrevíamos as primeiras linhas deste texto antes mesmo do polêmico pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em março deste ano, que tratou sobre o enfrentamento do Estado brasileiro à pandemia de coronavírus. Interessados na gestão e em especial nas comunicações de crise, tentamos colocar juízos de valor entre parênteses para analisar a comunicação feita por Bolsonaro e sua equipe no que diz respeito à pandemia que tanto atemoriza os brasileiros, conforme apontou pesquisa do Datafolha.
Nesse turbilhão de idas e vindas, informações desencontradas e falta de consenso entre atores políticos, explicamos o que é comunicação de Estado para a gestão de crises, especificamos suas funções e objetivos. Também ilustramos como o Estado brasileiro tem se comunicado com a população e lançamos mão de algumas sugestões na esperança de que sejam úteis para quem possa interessar.
Por fim, destacamos que nosso objetivo não é julgar quais medidas são mais efetivas no combate ao coronavírus. Mas, caso esse seja o seu interesse, aqui há boas reflexões sobre o paradoxo entre saúde pública e medidas econômicas.
Sobre comunicação de Estado e de crises
Zémor (1995) apresenta a ideia de comunicação pública sob a ótica Estatal-governamental. Para o autor, ela pode ser entendida como o conjunto de mensagens emitidas pelos poderes públicos. Alguns dos seus objetivos são promover mudanças e o compartilhamento de informações de utilidade pública, a manutenção de uma coesão social, a melhora do conhecimento cívico, e facilitar a ação pública.
O que o Estado está fazendo pela população? Como os cidadãos devem agir? Quais os riscos existentes em meio a uma pandemia? Quais os impactos em termos de saúde pública? Quais os reflexos na economia? Essas são algumas das questões que os poderes públicos devem responder e tornar claras para a população.
A partir disso, podemos dizer que a comunicação de Estado é “regida pelo interesse público ao informar, explicar, disponibilizar, treinar, habilitar, ouvir e contribuir para o exercício da cidadania” (Weber, 2011, p. 105). Em momento de crise, isso ocorre com muito mais intensidade e prudência. Ou ao menos deveria acontecer.
Então, como comunicar em meio à incerteza? Ou melhor, quando o próprio governo também se torna vetor dessa incerteza? Pois, da noite para o dia, o epicentro das infecções passa da China para a Itália, e num piscar de olhos para os Estados Unidos. Quem será o próximo? Quando isso vai parar? São algumas questões que, mesmo sem respostas, estarão na agenda dos meios de comunicação e dos atores políticos.
Ainda que Riorda (2011) apresente diferenças entre a comunicação estatal e a comunicação de crises, em um momento de pandemia elas passam a ter funções muito semelhantes e transcendem limitações conceituais. Se a comunicação estatal tem como principais funções a conservação, socialização, coordenação, integração e mobilização, a comunicação de crise pode utilizar cada uma dessas funções para alcançar seus objetivos; promover certezas, eliminar eventuais conflitos e produzir o fim das crises.
No caso de uma crise pandêmica, a comunicação com os cidadãos é fundamental para reduzir incertezas, permitindo que se tenha um entendimento básico do que está acontecendo e fornecendo orientação para os cursos de ação mais apropriados, evitando ou reduzindo eventuais danos (Kang et al, 2018).
Nesse contexto, muitas críticas emergem à forma como o Estado brasileiro vem se comunicando. Por isso, destacamos dois pontos sobre comunicação de crise que devem (ou deveriam) ser observados pelas equipes de comunicação oficial e apresentamos exemplos do que tem sido feito por outros líderes mundiais, sejam de Estado ou de governo.
Comunicação assertiva e não-ambígua
Assertividade e ambiguidade são duas faces da mesma moeda. Se de um lado a assertividade pode ser entendida como a capacidade de realizar afirmações claras, objetivas e transparentes, a ambiguidade é relacionada à imprecisão, incerteza e indeterminação.
Kang e colegas (2018) explicam que, em crises pandêmicas, informações conflitantes ou o silêncio de órgãos oficiais induzem a uma situação de alta incerteza e ansiedade. Isso afeta as emoções e o comportamento dos cidadãos. Quantas pessoas correndo aos mercados para comprar itens em quantidades desnecessárias, como papel higiênico, por exemplo?
Quando Bolsonaro minimiza uma pandemia e afirma que não vai “viver preso dentro do Alvorada”, abre-se precedente para que a população não adote medidas recomendadas por diversos governos, e agrave os casos de contaminação. Destacamos, contudo, que a prática de menosprezar fenômenos como este não é uma estratégia discursiva nova, muito menos exclusiva de um grupo político, Lula havia feito algo semelhante com a pandemia de H1N1 em 2009.
Recentemente, entretanto, Bolsonaro tornou-se um dos poucos líderes mundiais a serem diagnosticados com a Covid-19. Apesar da doença, o presidente não recuou em sua narrativa. Pelo contrário, Jair fez a defesa da Hidroxicloroquina ganhar mais força, ao demonstrar ser tratado pela medicação que, segundo estudos, não possui efetividade no combate à Covid-19. E pior, o uso do medicamento se tornaria alvo de teorias conspiratórias por parte do governo e indústria farmacêutica.
Neste sentido, Leiss e Krewski (1992) argumentam que cabe ao Estado a função de mediar, a fim de garantir que os sentidos das mensagens sobre os riscos, emitidas pela mídia, em muitos casos, não sejam alterados e que os riscos sejam percebidos de acordo com seu real significado. Esse foi o caso do primeiro-ministro britânico Boris Johnson. Logo após ter se recuperado da Covid-19, ele retornou ao trabalhou descartando relaxar o isolamento e pediu para a população do Reino Unido “conter a impaciência”.
Embora não tenha sido contaminada, Angela Merkel não minimizou a pandemia e deu um discurso encarado como histórico ante a crise da Covid-19. A chanceler alemã tratou a situação com clareza e seriedade ao afirmar que “Isso é sério”. Sem fazer pouco caso do vírus e dando um panorama da situação do sistema de saúde alemão e como a crise está sendo tratada pelo Estado, a chanceler não deixou de ressaltar que este é um momento em que a união é mais necessária do que nunca.
Comunicação atualizada e consistente
Kang e colegas (2018) explicam que em face a quaisquer novas situações, a resposta psicológica imediata é um sentimento de insegurança resultante de aumentos nos níveis de incerteza. Para lidar com essa insegurança, cidadãos necessitam informações atualizadas. Em momentos de crise é quando o governo deve prestar mais atenção àquilo que diz respeito à sua gestão.
O que está acontecendo? Como estamos enfrentando? Como podemos mostrar nossos resultados? São algumas das perguntas que devem ser respondidas por lideranças para reduzir a incerteza e insegurança, e conter eventuais situações de pânico. Não há problemas traçar novos planos de ação, pois tudo muda muito rápido.
O problema emerge quando atores do próprio governo emitem mensagens diferentes em pouquíssimo tempo e conflitos entre distintos atores políticos são tornados públicos. O melhor nesses momentos seria manter a sobriedade e controlar o ímpeto (e a língua); pensar antes de falar pode evitar muitos problemas.
O governador João Doria foi vítima de uma ostensiva campanha de fakenews propagada por grupos bolsonaristas, que supostamente implicavam Doria em conluio com o governo chinês, com o objetivo de associar a figura do governador de São Paulo aos, então ditos, criadores da Covid-19. E dá-lhe conspiração!
Promover um consenso entre esses atores revela a necessidade compreender e tomar consciência sobre a real situação, sobre os riscos oferecidos pela ação organizacional e sobre as possíveis formas de se proteger e reagir diante de perigos iminentes (Kang et al, 2018). Quando escrevíamos as primeiras linhas deste ensaio, países como a Coreia do Sul, Japão e Singapura demonstravam bons resultados ao somar disposição política e pública, e ao coordenar planos de ação a uma comunicação excelente para enfrentar a pandemia.
E agora?
Quem sabe mais informação resulte em menos conspiração. É claro que selecionamos apenas alguns pontos sobre comunicação de Estado em momentos de crise. Não nos faltariam exemplos – positivos ou negativos – para ilustrar. Mas optamos por concluir com um exemplo inspirador e que pode evitar desinformação desde cedo.
Uma vez que medidas de isolamento social são determinadas por muitos Estados e governos, a população pode ver mudanças em sua saúde física e mental. Dar conta de demandas de trabalho remotas – quando possível –, ou sair de casa angustiado com eventuais infecções podem ser fontes de grandes preocupações.
Quem tem crianças em casa sabe que essas questões se tornam ainda mais delicadas. Assim, o Presidente de Israel, Reuven Rivlin, conversou diretamente com crianças. Para melhor aproveitar o tempo, energia e criatividade das pequenas e dos pequenos, Rivlin foi para a TV contar histórias infantis. Isso mesmo, contar histórias. Já imaginou o mesmo por aqui?
[1] Pedro Chapaval Pimentel é professor substituto do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Paraná e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Administração pela mesma instituição.
[2] Vitor Matheus Beira Machado é bacharel em Comunicação Social, habilitado em Relações Públicas, pela Universidade Federal do Paraná.
Referências bibliográficas
Chalhoub, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. 2a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2017
Kang, M., Kim, J. R., & Cha, H. (2018). From concerned citizens to activists: a case study of 2015 South Korean MERS outbreak and the role of dialogic government communication and citizens’ emotions on public activism. Journal of Public Relations Research, 30(5–6), 202–229. https://doi.org/10.1080/1062726X.2018.1536980
Leiss, W.; Krewski, D. (1992). Prospects and Problems in Risk Communication. In: Leiss, W. Prospects and Problems in Risk Communication. University of Waterloo Press, Waterloo.
Riorda, M. (2011). La comunicación gubernamental como comunicación gubernamental. Politai, 2(3), 96-111.
Weber, M. H. (2011). Estratégias da comunicação de Estado e a disputa por visibildiade e opinião. In: Kunsch, M. (Org.). Comunicação pública, sociedade e cidadania. São Caetano do Sul: Difusão, pp. 101-119.
Zémor, P. (1995). La Communication Publique. PUF, Col. Que sais-je ? Paris.