Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

“Deu positivo”: a conturbada relação entre Bolsonaro e a Covid-19

Por Jeferson Thauny[1]

O que “começou domingo, com uma certa indisposição e se agravou durante o dia de segunda-feira, com mal estar, cansaço, um pouco de dor muscular e febre, no final da tarde”[2], tornou-se mais um capítulo da relação conturbada entre Bolsonaro e a Covid-19, com o mandatário engrossando o quadro de brasileiros contaminados pelo vírus.

Com a confirmação, Bolsonaro adentra a lista que soma, ao menos, mais três líderes de estado infectados: o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson; o príncipe Alberto II, de Mônaco; e o presidente de Honduras, Juan Hernández – todos já recuperados. Entretanto, dos citados, apenas Johnson esteve em UTI e internamento ostensivo.

O peculiar percurso do premiê britânico, aliás, vale detalhamento: criticado por sua estratégia no início da pandemia, quando optou por adiar a imposição de medidas restritivas contrapondo outros países europeus, Johnson mudou de postura, ainda em março, diante de estudos apresentados ao Grupo de Assessores Científicos para Emergências (SAGE)[3]. Na época, os relatórios projetavam um crescimento brusco no número de infectados e mortos no Reino Unido em caso da não adoção de políticas mais severas. Em 23 de março, Johnson se dirigiu ao país por meio televisivo e ordenou um confinamento de três semanas. Entretanto, o atraso na medida atingiu o próprio primeiro-ministro, que, quatro dias após o anúncio, confirmou positivo para o coronavírus.

“E daí?” É salutar compreender que, a amplo modo, em uma estratégia de marketing político a conduta do eleito pode impactar diretamente a postura de seus seguidores, em primeira instância. Neusa Gomes define tal delimitação de marketing como uma “estratégia permanente de aproximação do partido e do candidato com o cidadão em geral” (GOMES, 2000, p. 27), evidenciando que a relação entre o eleito e a sociedade não se esfacela após o período eleitoral. Ainda, é da natureza do espectro político, o entendimento de uma democracia representativa que signifique, genericamente, “que as deliberações coletivas […] são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO 1986, p. 46).

Ora, se naturalmente mais conectada ao âmbito legal, a representação política também pode ser ampliada para uma matriz ideológica. Logo, na atuação de um governante majoritário nacional, no qual idealiza-se a tomada de decisões representando o bem comum à nação, é que reside os efeitos da conduta do político diante da atual crise – é modelo.

Entendendo a posição de referência do político brasileiro em atitudes diante da pandemia, remonta-se a primeira semelhança com o Reino Unido: a estratégia inicial do mandatário em reduzir o potencial do vírus. Frases como “não há motivo para pânico”, “outras gripes mataram mais do que essa” e a categorização da Covid-19 como uma “gripezinha”, que no máximo acometeria o presidente de um resfriadinho, se tornaram ímpares na postura reducionista de Bolsonaro diante da pandemia[4].

Entretanto, a notícia da semana marca a segunda semelhança com o Reino Unido e contraria as previsões pessoais do presidente, servindo como um alicerce contra a reputação do mandatário diante do tema. Pode-se interpretar um golpe do destino, justo ou não, sofrido por Bolsonaro? Uma notícia capaz de abalar as convicções e o modelo que questiona o potencial do coronavírus? Em partes. Prontamente Bolsonaro retifica: “no dia seguinte já estava bom, como estou até hoje”.

Se, de imediato, o fato corrobora a possibilidade real de contágio da doença por qualquer cidadão, no entroncamento entre uma ideia que minimiza os efeitos do vírus e o leve sintoma do mesmo na figura do mandatário nacional, encontra-se uma questão maior: a cura de Bolsonaro diante do vírus pode ser a “prova desejada” de que uma “gripezinha” não poderá parar a economia. Afinal, se “a autoridade é uma medida de influência, da qual depreende reputação” (RECUERO, 2009, p. 113), a cura pode sedimentar a narrativa construída por Bolsonaro e reestabelecer sua reputação pública diante das questionadas decisões sobre o assunto.

É necessário entender, então, que os efeitos naturais da condição de paciente de Bolsonaro terão impactos diretos no quadro de enfrentamento da pandemia. Em suma, uma desejada breve recuperação com poucas complicações, diferente do premiê britânico, pode mascarar o potencial do vírus em escala nacional, impulsionando uma perigosa conduta coletiva que minimize seus efeitos.

Sob o fato, não se há espaço nem de discussão partidária, nem de simpatia, antipatia ou razão. Aqui se projeta o risco de uma construção imagética[5] de líder nacional, que, ao se curar da Covid-19, se empodera na tratativa que subestima os impactos da mesma. Ora, se afirmações como “não pegarei a doença devido ao meu histórico de atleta” possam ser esquecidas pelo público, a ideia de que o vírus conduz apenas a um leve resfriado configura um risco crucial na gestão da pandemia. Ou, ao menos, uma ofensa no afastamento do dado assustador de mais de 75.000 mortos por Covid-19 no Brasil.

 

[1] Jeferson Thauny é doutorando e mestre em Comunicação pela UFPR. Integra o Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral UFPR.

[2] https://www12.senado.leg.br/tv/programas/noticias-1/2020/07/covid-19-teste-positivo-de-presidente-bolsonaro-repercute-entre-senadores

[3] https://brasil.elpais.com/internacional/2020-03-23/quando-o-coronavirus-obrigou-boris-johnson-a-deixar-de-ser-boris-johnson.html

[4] https://noticias.uol.com.br/colunas/camilo-vannuchi/2020/04/30/a-pandemia-de-covid-19-segundo-bolsonaro-da-gripezinha-ao-e-dai.htm

[5] https://comunicacaoeleitoral.ufpr.br/index.php/2020/05/07/bolsonaro-e-mandetta-uma-breve-analise-de-construcoes-e-desconstrucoes-de-imagens-publicas/

 

Referências bibliográficas:

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

GOMES, Neusa Demartini. Formas persuasivas de comunicação política: propaganda política e publicidade eleitoral. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.