Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Análise combinada: Como os três estados do ego da Análise Transacional combinados à Análise de Conteúdo nos ajudam a analisar discursos políticos?

 Bruno Nichols[1]

Vinícius Sgarbe[2]

À época da pandemia de coronavírus, a comunicação política ganha revigorados contornos de importância, pelo alcance e reverberação amplificados em todos os segmentos sociais. As decisões editoriais e políticas se vão combinando em pautas de serviço público – como as publicações que antecedem feriados, agora em versão sanitarista e em uníssono da parte das elites políticas.

Nesse contexto, as autoridades eleitas são voz institucional, para o tratamento igualmente institucional, da crise de saúde. No dia 17 de março de 2020, no recorte escolhido para este ensaio, concomitante à primeira morte no Brasil em decorrência do coronavírus, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido)[3] declarou haver “certa histeria”, criticou as medidas dos governadores – a quem atribuiu responsabilidade pela economia –, e anunciou que fará dois dias de festa “tradicional” para comemorar aniversários na família dele.

Jair Bolsonaro em discurso sobre corona vírus

Foto: Isac Nóbrega/PR

A importância do discurso da elite política, sobretudo durante crises, encontra amparo em fatores como a carência e o medo sociais submetidos à hipótese da fragilização da sobrevivência. Analisar o comportamento dos representantes políticos por meio dos discursos é, portanto, entender como se portam diante das diferentes conjunturas que colocam a população em perigo. Nesse sentido, combinar Análise Transacional com Análise de Conteúdo pode ser considerado um esforço científico para entender os processos comportamentais que o representante político adota em determinado momento.

A teoria do comportamento humano – Análise Transacional (AT) – foi criada na década de 1950 pelo psiquiatra de origem canadense Eric Berne, com rica repercussão inicial no Brasil, América do Sul, do Norte, e Europa. Ela oferece um repertório de temas que propicia um exame oportuno que, em se combinando com a Análise de Conteúdo, esquadrinha discursos públicos.

O eixo conceitual da Análise Transacional é olhar a estrutura de personalidade humana a partir de estados do ego. Esses são estudados sob duas perspectivas. A primeira, a partir da formação e do conteúdo, chamada “estrutural”. Outra, a “funcional”, onde são evidenciados comportamentos, comunicações e relacionamentos. Berne escolheu palavras do senso comum para batizar tais estados: “Pai”, “Adulto” e “Criança”.

No estado do ego “Pai” estão comportamentos aprendidos ou emprestados de figuras significativas – não necessariamente pais ou figuras de autoridade específicas, mas conjuntos representativos (BERNE; KRAUSZ, 1988, pág. 25). Em “Pai” há uma função chamada “Pai Crítico”, para a censura e a restrição. Quando indivíduo fala ativando tal função, surgem frases geralmente impositivas, gerais demais para serem facilmente comprovadas. “Certa histeria”, na fala do presidente, é um exemplo emblemático desse estado. Por que “certa histeria”? O que “histeria” quer dizer? Quanto “certa histeria” é quantificável?

Na transação, que representa um estímulo comunicacional na AT, quando não há dados de realidade, há ausência do estado do ego “Adulto”. Ele é responsável pela conexão do indivíduo com a realidade objetiva. Isto é, com perguntas e respostas: “que horas são?”, “Curitiba fica no Sul”. Nesse estado do ego, são os dados de realidade que importam e há conexão com o aqui e o agora.

Quando a transação parte do estado do ego “Criança”, há evocação das experiências vividas, como a de um dedo na tomada, ou um trauma durante uma reunião do Congresso. Se a pergunta é “você vai mudar sua agenda em função do coronavírus?”, respostas da “Criança” podem ser “eu não sou obrigado a mudar nada” ou “farei duas festas, em vez de uma”.

Uma transação que parte do “Pai” para a “Criança” e que é respondida da “Criança” para o “Pai” evidencia um relacionamento simbiótico, no qual cabe a transferência e a contratransferência. Sobre a exaustão de tal modelo: “Este é o tipo mais comum de reação de contratransferências e a segunda causa mais comum de problemas nas relações pessoais e políticas” (BERNE, 1988, pág. 28). Quando Bolsonaro fala em “Pai”, tende fortemente a alcançar o “Criança” do receptor.

A Análise de Conteúdo pode contribuir com a Análise Transacional à medida que pode oferecer estatísticas relacionadas ao determinado discurso. Assim, análises embasadas em resultados de teste de Reinert e AFC, por exemplo, oferecem dados interessantes para a compreensão à luz da Análise Transacional.

Percebemos, desse modo, a importância da aplicação da Análise Transacional por meio da Análise de Conteúdo a fim de identificarmos símbolos e significados para além das transcrições. Através dessa combinação, podemos identificar elementos subjetivos e psicológicos por trás da formação dos discursos, fato que pode nos ajudar a entender, com maior riqueza de detalhes, como os agentes políticos se posicionam em relação a temas de interesse nacional e os respectivos impactos na audiência.

[1] Doutorando em Ciência Política pelo PPGCP-UFPR. E-mail: brunonichols@outlook.com

[2] Jornalista formado pela PUCPR. E-mail: vinicius@sgar.be

[3] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-fala-em-certa-histeria-e-diz-que-fara-festinha-de-aniversario.shtml

Referências

BERNE, Eric; KRAUSZ, Rosa R. O que você diz depois de dizer olá? A psicologia do destino. 1988.

COLETTA, Ricardo. Bolsonaro fala em ‘certa histeria’ sobre vírus e diz que fará ‘festinha’ de aniversário. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-fala-em-certa-histeria-e-diz-que-fara-festinha-de-aniversario.shtml. Acesso em: 17 mar. 2020.