O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo falou sobre “A crise do Estado de Direito e a instabilidade político-jurídica nos sistemas Presidencialistas na América Latina” em colóquio na Universidade de Coimbra nesta quinta-feira (29/06). O evento foi organizado pela Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra/Portugal (APEB), com apoio do Centro de Estudos Sociais (CES). Cardozo, que realiza doutoramento em Direito na Universidade de Salamanca, na Espanha, também abordou no colóquio a sua experiência no governo brasileiro como ministro da Justiça de 2010 a 2016 e advogado no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
O colóquio com o ex-ministro, que também é ex-advogado Geral da União e professor na Puc-SP, se centrou nos princípios do Estado de Direito, se ancorando especialmente na teoria da separação ou tripartição desenvolvida por Charles de Montesquieu, na obra “O Espírito das Leis” (1748). Cardozo apontou a natureza do controle de poder em um paralelo entre os princípios iluministas surgidos a partir das ideias de Montesquieu e de John Locke e as situações contemporâneas. Nesse contraste, o fio condutor que Cardozo vem seguindo parece ser o de problematizar o controle do poder, especialmente no que tange ao controle dos atores que exercem o poder e sobre quais direitos.
A relevância de sua fala pode ser localizada justamente em aprofundar os mecanismos de controle de poder. Se em determinado momento da história, como foi na Revolução Francesa, se percebeu a necessidade de regular o poder, o que causou o surgimento do Estado moderno, hoje esta questão se coloca como desafio diante das novas configurações de exercício dos poderes.
Cardozo frisou a questão do Estado Democrático de Direito, indo além de um enfoque meramente formal das leis, considerando os direitos fundamentais individuais, o que depende do contexto e conceito de Estado de Direito que se tem. Portanto, o conceito de Estado de Direito não é neutro, uma vez que vai depender da ênfase entre um estado social e um estado liberal que definirá quais são os direitos fundamentais individuais. Por outro lado, o ex-ministro observou que os estados totalitário não respeitavam os direitos individuais dos cidadãos, mas se denominavam estado de direito. Assim, não se trata apenas de haver Estado de Direito, mais sim verificar qual Estado de Direito há e como os direitos fundamentais individuais são respeitados.
Assim, se sob as influências da Revolução Francesa, se conseguiu colocar em prática formas de controle de poder, passados dois séculos este desafio tomou outras dimensões. O mundo se tornou muito mais complexo, com relações comerciais em dimensões muito maiores e com a sociedade fazendo uso das tecnologias. As mudanças históricas fizeram com que os agentes públicos criassem novos mecanismos para regular problemas que surgissem.
Cardozo referiu as soluções para contendas que se dão via Judiciário e o papel exercido por algumas agências reguladoras estatais que legislam sobremaneira e estão sob influência e risco de captura constante pelo setor econômico ou entes de poder. Diante da dinamicidade dos processos sociais, o Judiciário acaba legislando na ausência da lei com base na Constituição. Isso ocorre em razão do Legislativo, que tem processos e etapas mais lentas. É nesta enseada que se localiza a crise de que trata Cardozo.
Quanto às polêmicas recentes na política brasileira, Cardozo apontou que os motivos do impeachment se relacionaram com as forças políticas que apoiaram o então candidato à presidência Aécio Neves não terem aceito a derrota nas urnas para Dilma Rousseff; políticos envolvidos na Lava Jato tentarem “estancar a sangria”; e um terceiro motivo que ele preferiu não citar porque não tinha provas e preferia “não se amparar, como alguns, apenas em convicções”, dizendo ao fim que o terceiro motivo seriam interesses estrangeiros.
Comparando as deposições de Fernando Lugo, no Paraguai, e Dilma Rousseff, no Brasil, Cardozo mencionou que ambos sofreram golpe parlamentar por se tratarem de “governos que incomodavam” e que os motivos usados para as deposições não justificariam medida tão drástica. Além disso, o mecanismo do impeachment se mostrou como um substituto dos golpes militares efetuados no passado considerando que golpes militares não são mais aceitos no contexto internacional.
Em relação à Operação Lava Jato, o ex-ministro lembrou que assim como o poder deve ser exercido com limites, a virtude também deve ser exercida com limites. E que o combate à corrupção por mais nobre que seja não pode extrapolar a Lei.
Autora: Josemari Poerschke de Quevedo, direto de Coimbra. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral, doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná e em estágio de doutoramento no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
Foto: APEB/Coimbra