A história do Brasil passou por períodos políticos que desaguam no atual cenário de 2016, no qual uma onda conservadora se apresenta à nação e que resultou na derrota dos partidos de esquerda nas últimas eleições municipais, numa avassaladora desidratação do principal partido deste “setor” ideológico, o PT. A história de São Paulo é semelhante, quando a diacronia revela uma forte influência do cenário nacional e estadual no âmbito municipal nos períodos que antecederam a redemocratização do país, que caracteriza o período pós-1985, quando ocorre alternância entre as forças conservadores e as progressistas na capital paulista, principalmente caracterizadas pela disputa entre PSDB e PT, refletindo o/no cenário nacional. No entanto desde 2016 o governo federal está sob condução do PMDB com apoio do PSDB reiterando a alternância entre os partidos nos níveis municipal e federal, variável relevante nas corridas eleitorais e especialmente decisiva nos cenários municipais de 2016.
No caso de São Paulo tempo é dinheiro e capital político. Por isso o HGPE foi fundamental na corrida eleitoral paulistana, que culminou com a vitória em primeiro turno, algo inédito em São Paulo, de um desconhecido candidato do PSDB e com maior tempo de exposição naquele horário: o João Doria Jr. com a 3’06’’ em cada HGPE; contra os 2’25’’ de Haddad (PT), 1’57’’ de Marta Matarazzo (PMDB) e 1’12’’ de Russomanno (PRB). O interessante é notar como a virada eleitoral, ou melhor, o nascimento e desenvolvimento da aceitação de um discurso de um “não-político”, foi muito bem aceito pelos eleitores paulistas, algo que fica explicito nas pesquisas de opinião durante as campanhas eleitorais:
PESQUISA DE OPINIÃO, SÃO PAULO
FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO [1]
Vale também ressaltar que os votos em branco, nulos e as abstenções somaram mais votos que o prefeito eleito, ou seja, 3.096.304, enquanto Doria obteve de 3.085.187 votos (53,29% dos votos válidos). Desse modo pode-se levantar a hipótese que o descrédito na política partidária que tem ocorrido em escalas nacional e mesmo global favoreceu tal candidato do PSDB, o que também explica um dos fatores de desmerecimento ao prefeito não reeleito do PT e seu baixo índice de votos, com apenas 967.190 votos (16,70%).
Em sua campanha o então candidato tucano enfatizou o fato de não ser um político tradicional, aproximando seu discurso a um empresário trabalhador, bem-sucedido em decorrência do próprio esforço (empreendedor e meritocrata), desprendido do “velho modo de fazer política” e representante natural do antipetismo – uma vez que está vinculado ao maior partido contrário ao PT, o PSDB.
A vinheta de abertura de seus programas continha o nome do candidato e do seu vice, Bruno Covas, contudo sem a identificação de partido, mas com destaque para número 45. O icone “>>” utilizado em todo conjunto de comunicação e muitas vezes com o símbolo feito pelos dedos dos apoiadores (dedos médio e indicador, na horizontal), reforçando conceito de avanço rápido (velocidade), que é reiterado pelo mote de sua coligação Acelera São Paulo (PSDB, PPS, PV, PSB, DEM, PMB, PHS, PP, PSL, PT do B, PRP, PTC, PTN.).
O candidato também aparecia vestindo camisas engomadas, normalmente brancas ou azuis, algumas vezes com as mangas arregaçadas, cabelo sempre impecável, falando diretamente para a câmera (declarando aos espectadores paulistanos) ou para o entrevistado, seja popular ou autoridade, conotando atenção e intimidade. No conjunto de programas sempre reforçava os conceitos chaves da campanha: trabalhador, administrador, gestor, empresário, parceria com o governo do estado e com empresas privadas. Algumas vezes enfatizou não ser político “profissional” com programas de HGPE temáticos (saúde, segurança, educação, mobilidade etc.). Usou elementos nacionalizados relacionados ao antipetismo (manifestações pró-impeachment) para se descolar dos concorrentes como um verdadeiro opositor do PT. Com o crescimento nas pesquisas passou a ser mais propositivo e utilizou o marketing negativo de modo mais suave.
Em muitas das peças citou as pesquisas para destacar seu crescimento e acusou, assim como seus adversários, os ataques sofridos nas mídias sociais como parte do pérfido jogo político praticado pelos oponentes.
É importante também frisar que seus programas foram muito bem produzidos tecnicamente, com identidade visual aplicada no conjunto da comunicação utilizada pelo candidato, jingle que reforça as palavras-chave, performance televisiva efetiva, até mesmo pela experiência como apresentador de televisão. Teve a campanha mais cara desta eleição e soube se valer do tempo de HGPE para se consolidar na liderança.
Na amostra temática dos programas analisados pelos pesquisadores, notou-se a ênfase que Doria deu à sua apresentação como candidato, principalmente por ter alto grau de desconhecimento inicial (50% segundo pesquisa DataFolha). A desqualificação era distribuída principalmente entre Haddad e Matarazzo, associando-os ao petismo, algo que possui grande aderência em São Paulo, e aos problemas de suas gestões na prefeitura. As propostas apresentadas em seu programa eram bem distribuídas tematicamente, tendo uma estrutura de planejamento mais coesa e efetiva para abordar os grandes temas relacionados à gestão pública da capital paulista. Seu maior tempo eleitoral o possibilitou explorar com maior amplitude diversos conteúdos eleitorais, como apresentado no gráfico abaixo:
HGPE DORIA, TOTAL DE SEGUNDOS POR CONTEÚDO
FONTE: autores.
Outro aspecto notado no HGPE paulistano como um todo, pode ser caracterizado como o “cansaço” da população contra a política e os partidos foi a ênfase aos nomes e números dos candidatos que o próprio partido político. Coube o reforço da identidade partidária aos partidos secundários nesta disputa, como Solidariedade, PSOL, PSDC, PCO, PSTU e REDE.
Em suma, a eleição paulista foi um mix de questões municipais com as grandes questões nacionais que tiveram forte influência no cenário local, como o impeachment da presidenta Dilma Roussef, as investigações sobre corrupção feitas na Lava Jato, o governo Temer e as questões econômicas e trabalhistas, as manifestações estudantis, a repercussão do Brasil no cenário internacional, etc. Esta situação atípica de nacionalizar a disputa à prefeitura tornou esta eleição um excelente termômetro para se avaliar a influência da mídia na formação da opinião pública pois os elementos fundamentais do processo eleitoral transcenderam as fronteiras municipais e serviram para consolidar posições político-partidárias que já focam em 2018. Será que Dória seguirá a trilha dos antigos bandeirantes e desbravará seu caminho rumo ao Planalto Central ou aguardará na gestão da maior cidade do país por um momento mais oportuno?
REFERÊNCIAS
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RUBIN, Antonio A. C. (Org.). Comunicação e Política: conceitos e abordagens. Salvador – BH: Edufba, 2004.
PORTAL BRASIL, 2016. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/governo/2009/11-/brasil-republica>, Acessado em 10/11/2016.
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G1. Horário eleitoral em SP começa nesta sexta .Disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2016/noticia/2016/08/horario-eleitoral-em-sp-comeca-nesta-sexta-veja-o-tempo-de-cada-candidato.html. Acessado em 10/11/2016.
GALICIA, Javier Sánchez. Comunicar para Gobernar. In: ELIZALDE, Luciano, RIORDA, Mario. Comunicacion Gubernamental 360. Buenos Aires: La Crujía, 2013.
LAVAREDA, Antonio. Emoções Ocultas, Objetiva, 2009.
[1] Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/09/1817187-doria-cresce-e-se-isola-na-ponta-diz-datafolha-marta-perde-5-pontos.shtml>, acessado em 10/11/2016.