Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

O nome de Deus e os fins políticos

 

 

Por Debora Cristina Alves da Cunha Milla [1]

 

Que Deus tenha misericórdia dessa nação, voto sim”.

Foi com esta frase que o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (condenado a 14 anos e 6 meses de prisão por corrupção pela Lava-Jato), fez o 229° voto na Câmara dos Deputados durante a sessão de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. O nome de Deus foi citado 59 vezes por parlamentares que ali estavam justificando o voto contra uma mulher eleita, a qual, segundo perícia realizada por especialistas do Senado, não teve participação nas pedaladas fiscais das quais estava sendo acusada. De lá para cá, o nome de Deus vem sendo exaltado em slogans de campanha e até em culto semanal evangélico realizado na Câmara. Se o Brasil tem por princípio constitucional ser um Estado laico, a laicidade não tem passado de um discurso não firmado em sua prática.

 

Bolsonaro participa de culto evangélico na Câmara dos Deputados, em 10 de julho de 2019.

Bolsonaro participa de culto evangélico na Câmara dos Deputados, em 10 de julho de 2019.

A se pensar no papel que a religião exerce na política e na sociedade brasileiras, é notório que Deus é, por muitas vezes, utilizado para alcance e tomada de poder, além de seu nome ser reiteradamente usado para promoção de intolerância e violência. Se a discussão política se concentrava, em governos anteriores, em pautas que objetivavam composição de renda básica, inflação, desenvolvimento econômico, políticas públicas, atualmente questões de ordem moral têm se sobressaído a estas. Klein (2015, p.245) acredita que, em uma reflexão kantiana interligando intolerância, religião, liberdade e política, “não apenas o discurso e as crenças religiosas entram no campo do discurso político como também são aceitos como elementos que podem constituir uma plataforma política de um determinado partido”.

É fato que, num ambiente de polarização política e descrença em partidos e representações políticas, a Igreja forneça um ambiente bem articulado de instituição intermediária entre o Estado e a sociedade, promovendo e conjugando forças no campo político. As Igrejas, segundo dados do Ibope, perdem somente para o Corpo de Bombeiros no Índice de Confiança Social nas Instituições, enquanto eleições, governo e partidos políticos encontram-se nas últimas posições da lista.

Nesse cenário, mesmo não sendo possível generalizações quanto a posturas subjetivas e independentes de cada indivíduo e de cada grupo religioso, pode-se perceber – ao se observar a composição do Congresso nos últimos anos – o avanço de denominações evangélicas dentro da política. Enquanto a religião católica vem perdendo espaço entre seus fiéis, as evangélicas vêm aumentando não só a ocupação de cadeiras de templos mas também, e progressivamente, as parlamentares.

Em pesquisa do Datafolha de 2016, 44% dos evangélicos são ex-católicos, e, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o número de evangélicos no Brasil cresceu mais de 60% em um período de 10 anos. Da população residente no país listada como evangélica, os números passaram de 26, 2 milhões no ano 2000 para 42, 3 milhões, no ano de 2010.

Jose Alves apontou, em um artigo para o portal Ecodebate, uma previsão estimada de transição religiosa segundo a qual os evangélicos ultrapassariam a quantidade de católicos no ano de 2032. Maria Machado relatou ainda que as igrejas evangélicas têm permitido – principalmente à população mais carente – inclusão e ascensão social, posto que “os evangélicos estão indo onde o Estado não vai atender as demandas básicas dos mais necessitados”. E, nessa lógica, quanto mais o Estado se distancia da inserção de políticas públicas para amparar essa população, maior é a aproximação dela às instituições religiosas.

Em se tratando das últimas eleições presidenciais de 2018, o peso do voto evangélico foi substancial para a eleição de Jair Bolsonaro, conforme também demonstra pesquisa do Datafolha. A diferença total registrada entre os candidatos Jair Bolsonaro e Haddad foi de 11 milhões de votos de evangélicos a mais para o candidato do PSL do que para o petista. Essa força de composição de voto é relevante tanto no cenário de eleição majoritária quanto nas eleições proporcionais (MARIANO, 2016).

Esse segmento religioso representa em números um montante significativo. O grupo tem atuado de forma expressiva tanto como eleitorado brasileiro e em favorecimento de determinados políticos, quanto na qualidade de representantes políticos. Já não é possível pensar a democracia brasileira sem levar em conta que os evangélicos participam ativamente do pleito, possuem sindicatos próprios, lideranças, articulam partidos e podem, efetivamente, continuar a fazer diferença no resultado e processo eleitoral brasileiro.

 

 

[1] Debora Cristina Alves da Cunha Milla é Mestra em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPR, Especialista em Marketing Empresarial pela UFPR e Graduada em Comunicação Social – habilitação em Publicidade e Propaganda pela UTP.

 

Referências:

 

AZEVEDO, Dermi. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Estudos avançados, v. 18, n. 52, p. 109-120, 2004.

KLEIN, Joel Thiago. Liberdade e religião: reflexões kantianas sobre a não coercitividade, a veracidade e a publicidade na relação entre religião e política. ethic@: an international Journal for Moral Philosophy, v. 14, n. 2, p. 222-251, 2015.

MARIANO, Ricardo. Expansão e ativismo político de grupos evangélicos conservadores. Secularização e pluralismo em debate. Civitas: Revista de Ciências Sociais, vol. 16, 2016, pp.710-728.