Por Debora Cristina Alves da Cunha Milla [1]
“Que Deus tenha misericórdia dessa nação, voto sim”.
Foi com esta frase que o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (condenado a 14 anos e 6 meses de prisão por corrupção pela Lava-Jato), fez o 229° voto na Câmara dos Deputados durante a sessão de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. O nome de Deus foi citado 59 vezes por parlamentares que ali estavam justificando o voto contra uma mulher eleita, a qual, segundo perícia realizada por especialistas do Senado, não teve participação nas pedaladas fiscais das quais estava sendo acusada. De lá para cá, o nome de Deus vem sendo exaltado em slogans de campanha e até em culto semanal evangélico realizado na Câmara. Se o Brasil tem por princípio constitucional ser um Estado laico, a laicidade não tem passado de um discurso não firmado em sua prática.
A se pensar no papel que a religião exerce na política e na sociedade brasileiras, é notório que Deus é, por muitas vezes, utilizado para alcance e tomada de poder, além de seu nome ser reiteradamente usado para promoção de intolerância e violência. Se a discussão política se concentrava, em governos anteriores, em pautas que objetivavam composição de renda básica, inflação, desenvolvimento econômico, políticas públicas, atualmente questões de ordem moral têm se sobressaído a estas. Klein (2015, p.245) acredita que, em uma reflexão kantiana interligando intolerância, religião, liberdade e política, “não apenas o discurso e as crenças religiosas entram no campo do discurso político como também são aceitos como elementos que podem constituir uma plataforma política de um determinado partido”.
É fato que, num ambiente de polarização política e descrença em partidos e representações políticas, a Igreja forneça um ambiente bem articulado de instituição intermediária entre o Estado e a sociedade, promovendo e conjugando forças no campo político. As Igrejas, segundo dados do Ibope, perdem somente para o Corpo de Bombeiros no Índice de Confiança Social nas Instituições, enquanto eleições, governo e partidos políticos encontram-se nas últimas posições da lista.
Nesse cenário, mesmo não sendo possível generalizações quanto a posturas subjetivas e independentes de cada indivíduo e de cada grupo religioso, pode-se perceber – ao se observar a composição do Congresso nos últimos anos – o avanço de denominações evangélicas dentro da política. Enquanto a religião católica vem perdendo espaço entre seus fiéis, as evangélicas vêm aumentando não só a ocupação de cadeiras de templos mas também, e progressivamente, as parlamentares.
Em pesquisa do Datafolha de 2016, 44% dos evangélicos são ex-católicos, e, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o número de evangélicos no Brasil cresceu mais de 60% em um período de 10 anos. Da população residente no país listada como evangélica, os números passaram de 26, 2 milhões no ano 2000 para 42, 3 milhões, no ano de 2010.
Jose Alves apontou, em um artigo para o portal Ecodebate, uma previsão estimada de transição religiosa segundo a qual os evangélicos ultrapassariam a quantidade de católicos no ano de 2032. Maria Machado relatou ainda que as igrejas evangélicas têm permitido – principalmente à população mais carente – inclusão e ascensão social, posto que “os evangélicos estão indo onde o Estado não vai atender as demandas básicas dos mais necessitados”. E, nessa lógica, quanto mais o Estado se distancia da inserção de políticas públicas para amparar essa população, maior é a aproximação dela às instituições religiosas.
Em se tratando das últimas eleições presidenciais de 2018, o peso do voto evangélico foi substancial para a eleição de Jair Bolsonaro, conforme também demonstra pesquisa do Datafolha. A diferença total registrada entre os candidatos Jair Bolsonaro e Haddad foi de 11 milhões de votos de evangélicos a mais para o candidato do PSL do que para o petista. Essa força de composição de voto é relevante tanto no cenário de eleição majoritária quanto nas eleições proporcionais (MARIANO, 2016).
Esse segmento religioso representa em números um montante significativo. O grupo tem atuado de forma expressiva tanto como eleitorado brasileiro e em favorecimento de determinados políticos, quanto na qualidade de representantes políticos. Já não é possível pensar a democracia brasileira sem levar em conta que os evangélicos participam ativamente do pleito, possuem sindicatos próprios, lideranças, articulam partidos e podem, efetivamente, continuar a fazer diferença no resultado e processo eleitoral brasileiro.
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[1] Debora Cristina Alves da Cunha Milla é Mestra em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPR, Especialista em Marketing Empresarial pela UFPR e Graduada em Comunicação Social – habilitação em Publicidade e Propaganda pela UTP.
Referências:
AZEVEDO, Dermi. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Estudos avançados, v. 18, n. 52, p. 109-120, 2004.
KLEIN, Joel Thiago. Liberdade e religião: reflexões kantianas sobre a não coercitividade, a veracidade e a publicidade na relação entre religião e política. ethic@: an international Journal for Moral Philosophy, v. 14, n. 2, p. 222-251, 2015.
MARIANO, Ricardo. Expansão e ativismo político de grupos evangélicos conservadores. Secularização e pluralismo em debate. Civitas: Revista de Ciências Sociais, vol. 16, 2016, pp.710-728.