Por Guilherme Daldin
Um levantamento publicado pelo IDEA (International Institute for Democracy and Electoral Assistance) aponta que, pelo menos, 53 países decidiram adiar eleições (nacionais e/ou regionais) diante dos impactos da pandemia (1). Os adiamentos por conta dos riscos do Covid-19 afetam desde eleições primárias, como em 15 estados dos EUA, até referendos constituintes, como no Chile e nas Ilhas Falkland (território ultramarino britânico). Por outro lado, ainda segundo o levantamento do IDEA, muitos países decidiram manter as eleições. Nestes casos, diferentes medidas de segurança foram adotadas buscando diminuir os riscos para os eleitores. Na França, o primeiro turno das eleições municipais ocorreu em 12 de março, naquele momento o país marcava mais de 5.000 casos confirmados e 127 mortes pelo novo coronavírus (2). A consequência foi o menor índice de participação já registrado no país, apenas 46% dos eleitores foram às urnas (2014 registrou 63,5% de participação). O segundo turno foi adiado, porém o governo estuda a possibilidade de um novo adiamento com base nas análises do comitê de cientistas convocado para assessorar as decisões do estado diante da pandemia (3).
No Brasil, o debate sobre a possibilidade de adiamento das eleições municipais (previstas para o dia 4 de outubro) cresce paralelamente à própria evolução da pandemia. Aos poucos, posicionamentos preliminares surgem dos membros do Congresso Nacional e, principalmente, do Tribunal Superior Eleitoral na figura de seu novo presidente Luís Roberto Barroso. Segundo Barroso, a intenção é manter a data da eleição municipal, mas ainda há a de um adiamento para novembro ou no máximo dezembro. Já a hipótese de unificação das eleições municipais com as eleições nacionais de 2022, defendida por alguns parlamentares, como Aécio Neves (PSDB-MG) e Major Olímpio (PSL-SP), é rechaçada pelo ministro Barroso e por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados (4).
Algumas medidas para realização do pleito com o menor risco possível para a saúde estão sendo debatidas, admite-se a possibilidade de uma eleição realizada em quatro dias, bem como a realização virtual das convenções partidárias. Ainda é preciso pensar nos riscos de toda a logística que envolve treinamento, teste e distribuição de urnas, condições sanitárias preventivas para as zonas eleitorais e para os mesários, etc.
Mas, para além do calendário e de quais condições logísticas serão necessárias para a realização das eleições municipais, ainda há uma incerteza sobre os impactos da pandemia nas campanhas, nos candidatos e, claro, nos eleitores. Em diferentes áreas, a necessidade do isolamento social diante da pandemia acelerou um processo de transformação digital que impacta a economia, o consumo, a cultura e o comportamento (5). Certamente, as primeiras eleições brasileiras pós-pandemia (ou ainda no meio da pandemia) também serão impactadas.
O primeiro ponto que pode influenciar os rumos das campanhas, dos candidatos e da eleição é a visibilidade que os atuais prefeitos e prefeitas tem tido durante a crise. A imprensa vem dedicando a maior parte do seu tempo (e espaço) para a cobertura relacionada ao coronavírus, consequentemente os gestores públicos ganham maior visibilidade por protagonizarem boa parte da “prestação de contas” diárias relacionadas à crise. “Sendo o Executivo o centro da cena política, o governo possui novamente lugar de fala privilegiado e mais chances de dizer e ser ouvido” (GOMES, 2004, p. 122), portanto, a visibilidade dos mandatários, que já é um ponto positivo em qualquer campanha, neste momento proporciona ainda mais vantagens para uma possível reeleição ou para viabilizar a vitória eleitoral de um aliado.
Ao mesmo tempo, “se a visibilidade é um meio, a popularidade e a impopularidade são o objeto de desejo ou temor dos agentes do campo político” (GOMES, 2004, p. 121), em cidades com maior impacto da pandemia (colapso do sistema de saúde, por exemplo), a popularidade dos mandatários já se mostra abalada pela crise do coronavírus (6). Políticos que negaram ou ainda negam a gravidade da pandemia, políticos diretamente associados à grupos partidários e ideológicos que negam a gravidade da pandemia, gestores públicos que se mostram negligentes ou incapazes de lidar com esta crise serão cobrados e duramente criticados por adversários, pela imprensa e pelo eleitorado.
Portanto, é possível que tenhamos a crise do coronavírus como o tema dominante na eleição. Seja “avaliando” as gestões, seja emergindo novas figuras públicas. Abre-se, assim, uma janela de visibilidade também para os gestores (como ex-ministro Henrique Mandetta, por exemplo), especialistas e profissionais de saúde. “Se numa eleição houver apenas um tema dominante, o candidato que tiver o domínio sobre esse tema tem maiores chances eleitorais” (FIGUEIREDO, ALDÉ, DIAS E JORGE, 1997, p.188), esse “domínio” poderá vir da capacidade de persuasão perante o tema, pelas atitudes tomadas e publicizadas durante a crise ou até mesmo pela identidade do candidato. A Imagem Pública destes candidatos e candidatas estará sujeita ao reconhecimento, por parte do eleitor, quanto à sua legitimidade, compromisso e autoridade sobre o tema. Os “tensionamentos entre visibilidade e credibilidade” é que estão em jogo na cena pública (WEBER, 2009).
Outra reflexão pertinente sobre os impactos da pandemia nas disputas locais deste ano está nos efeitos das limitações impostas pelo isolamento social. Partindo do pressuposto que algumas regiões do país ainda terão restrições de aglomeração ou, pelo menos, cidadãos que fazem parte dos “grupos de risco” terão a sua circulação limitada até a chegada de uma vacina, as eleições se darão em caráter singular. Restrições aos comícios e eventos com aglomeração, limitação da campanha de rua (corpo a corpo), entre outros, tendem a acelerar o processo de fortalecimento da comunicação digital como instrumento decisivo no marketing eleitoral. Mesmo que até lá as medidas de isolamento atenuem, a pré-campanha já está, praticamente, afetada e limitada ao ambiente digital (7). As transmissões ao vivo, que aumentaram significativamente no período de isolamento, serão um recurso fundamental para as campanhas por exemplo. Estas estratégias digitais, mesmo já usadas anteriormente, terão uma centralidade ainda maior nas campanhas deste ano.
Para os candidatos e candidatas sem grande visibilidade neste momento e sem grandes redes estruturadas de comunicação digital, o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) deve funcionar como uma ferramenta para recuperar o tempo perdido. “O “tempo de rádio e tv” é um dispositivo legal da política brasileira voltado para garantir um tipo de presença da política na esfera de visibilidade pública fora do controle dos agentes das indústrias da informação e do entretenimento” (GOMES, 2004, p. 119). Dentro disso, um dado que também merece atenção é o crescimento da audiência da TV aberta no país. Desde o início da quarentena, a audiência cresceu 20% no país (8). Se o isolamento se mantiver até as eleições, é possível que o HGPE e os spots das campanhas ganhem mais força diante de uma maior audiência.
Por outro lado, as restrições poderão limitar a própria produção das propagandas. A “gramática” do HGPE (ALBUQUERQUE, 2004) pode ser impactada, as propagandas ficarem mais dependentes das gravações em estúdios fechados (com equipes reduzidas), tendo menos imagens de cobertura da agenda (de rua) dos candidatos (metacampanha), ser necessária a incorporação ainda maior dos vídeos gravados com celular, etc. Além disso, as recorrentes mensagens de “pedagogia do voto” talvez precisem ser adaptadas, ou seja, reforçar mensagens diante do risco de uma baixa participação eleitoral. Além de reforçar o número do candidato, será necessário engajar o eleitor a sair de casa, em meio aos riscos da pandemia, para votar.
Outro ponto fundamental que vem gerando debates no meio político está relacionado às condições financeiras para as campanhas. Diante da crise econômica que afeta o país, o Fundo Eleitoral deve representar a maior parte dos recursos disponíveis para os candidatos. Os doadores de campanha, de maior ou menor poder financeiro, podem diminuir o montante ou até deixar de financiar algumas campanhas. Caso se confirme esta tendência, os candidatos com mais recursos do Fundo Eleitoral e aqueles que já possuem estrutura, principalmente através de mandatos, terão mais vantagens diante daqueles candidatos com acesso limitado ao Fundo Eleitoral (partidos menores) (10).
Quando e como se darão as eleições são, por hora, apenas especulações. Segundo a pesquisa CNT/MDA (realizada entre 07 e 12 de maio), 62,5% dos brasileiros acham que seria melhor adiar as eleições municipais, previstas para outubro, devido ao impacto da crise do Covid-19 (9). Enquanto o TSE não “bate o martelo”, as forças políticas vão analisando dia-a-dia a conjuntura e traçando estratégias para os diferentes cenários.
(1) https://www.idea.int/news-media/multimedia-reports/global-overview-covid-19-impact-elections
(2) https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/16/Como-o-coronav%C3%ADrus-golpeou-o-sistema-eleitoral-da-Fran%C3%A7a
(3) https://www.lemonde.fr/politique/article/2020/04/20/les-elections-municipales-en-juin-un-objectif-difficile-a-tenir_6037171_823448.html
(8) https://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/com-coronavirus-tv-tem-aumento-de-audiencia-aposta-no-improviso-como-solucao-24375443
(9) https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/05/12/cntmda-625-da-populacao-aprova-possivel-adiamento-das-eleicoes-de-2020.htm
REFERÊNCIAS:
ALBUQUERQUE, Afonso de. “Propaganda Política e Eleitoral”. Em: RUBIM, Antonio Albino Canelas (Org.). Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004, 451-482.
FIGUEIREDO, Marcus; ALDÉ, Alessandra; DIAS, Heloísa; JORGE, Vladimyr. Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. Opinião Pública, Campinas, vol. IV, no 3, Novembro, 1997, p.182-203.
GOMES, Wilson da Silva. Negociação política e comunicação de massa. In: “Transformação da Política na Era da Comunicação de Massa”. São Paulo: Paulus, 2004
WEBER, Maria Helena. O estatuto da Imagem Pública na disputa política. ECO-Pós. Rio de Janeiro, n.3, set/dez 2009. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/929>. Acesso em 12 de maio de 2020