Por Karina Lançoni Bernardi*
No Paraná, 52% do eleitorado é formado por mulheres, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São as mulheres também a maior parte da população paranaense, representando 51%, de acordo com o censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, mesmo as mulheres sendo maioria em níveis populacionais e de eleitorado, o resultado das urnas nas eleições municipais de 2016, revelou um cenário predominantemente masculino na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), com apenas 21% das cadeiras ocupadas por mulheres. Ainda assim, o legislativo municipal da capital paranaense apresenta um índice maior do que registrado em nível nacional. Na Câmara dos Deputados, as mulheres representam apenas 15% das vagas e no Senado, 14%.
Este cenário coloca o Brasil na 133ª posição entre os 193 países do mundo, em representatividade feminina no parlamento, segundo relatório “Women in Politics:2019”, desenvolvido pelo Inter-Parliamentary Union, da ONU Mulheres. No âmbito municipal, um projeto de lei de iniciativa popular, protocolado pela vereadora Maria Letícia Fagundes (PV), pretende estabelecer cotas de representação, para aumentar a presença feminina na Câmara Municipal de Curitiba. O projeto, que altera o artigo 17, da Lei Orgânica do Município, acrescentando ao texto que “a representação no parlamento municipal será dividida igualitariamente entre homens e mulheres, considerando-se a distribuição de vagas a cada partido segundo a legislação eleitoral”.
O projeto dos 50%, como tem sido chamado, está em fase de coleta de assinaturas. Por alterar a Lei Orgânica do Município é necessário que 13, dos 38 vereadores assinem a proposta ou 68 mil assinaturas de eleitores. Se aprovada, a iniciativa criaria mecanismos legais para que metade das cadeiras fossem preenchidas por mulheres no parlamento, a exemplo do que já ocorre em outros países da América Latina, como México e Bolívia, por exemplo.
No Brasil, a participação feminina na política está amparada na legislação eleitoral desde as eleições municipais de 1996. O primeiro texto a tratar do assunto é a Lei 9.100/1995, que determinava aos partidos e coligações que 20% das vagas fossem preenchidas por candidatas mulheres. Em 1997, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504) previa a reserva (sem preenchimento obrigatório) de 30% das vagas de cada partido para as mulheres. Esta legislação, no entanto, recebeu nova redação, na Lei 12.034, de 2009, determinando que cada partido ou coligação ‘preencha no mínimo 30% e no máximo 70% das vagas para a disputa eleitoral para candidatos de cada sexo’. Porém, o que se observa nas campanhas eleitorais é o uso desigual da estrutura partidária para homens e mulheres e ainda casos de ‘candidaturas laranjas’, em que as mulheres são recrutadas apenas para cumprirem a cota do partido.
De acordo com Panke (2016), essa falta de apoio partidário para as candidaturas femininas é possível de ser notada desde a campanha mais simples até as mais complexas como as presidenciais.
As principais barreiras para a entrada das mulheres são conseguir apoio no partido, financiamento de campanha, obter uma equipe de confiança (alcançar preparação de media training, leis, comunicação) e superar o machismo oriundo de homens e de mulheres. (PANKE, 2016, p. 74)
As cotas eleitorais representam um avanço significativo para a inserção das mulheres nas esferas decisórias, porém, segundo Salgado, Guimarães e Monte-Alto (2015), apenas o uso de cotas eleitorais não tem se mostrado eficaz. Os autores defendem a necessidade de cotas de legislatura ou de representação como uma medida para “corrigir de maneira mais célere o desequilíbrio de gênero na política e consubstanciar a igualdade material na sociedade” (SALGADO, GUIMARÃES E MONTE-ALTO, 2015, p. 177).
De acordo com Miguel (2001), medidas como a política de cotas são importantes para minimizar o impacto da diferença estrutural entre homens e mulheres na sociedade. “O que está em jogo é a possibilidade de realmente se alcançar, na esfera política, o pluralismo de perspectivas que caracteriza sociedades fragmentadas como as contemporâneas” (MIGUEL, 2001, p. 266).
Neste sentido, regras e leis que garantam a participação feminina na política partidária são fundamentais para facilitar o acesso igualitário ao campo político, mas como explicar o fato de que as mulheres ainda são minoria nas instituições políticas? Para Brabo (2008) a explicação dessa situação está na marginalização da mulher por mais de cinco séculos, devido à sociedade patriarcal trazida pelos europeus. A autora menciona que “A representação política nas democracias liberais permanece uma área de difícil acesso para um conjunto de atores sociais aos quais historicamente foi negada a cidadania” (BRABO, 2008, p. 28).
É essa questão histórica que explica, segundo Biroli, a marginalização das mulheres e de outras minorias nas esferas decisórias. Para a autora, “a história do espaço público e das instituições políticas modernas é a história da acomodação do ideal de universalidade à exclusão e à marginalização das mulheres e de outros grupos sociais subalternizados” (BIROLI, 2018, p. 172).
Biroli (2018) destaca que a visão abstrata da cidadania e dos direitos não consegue lidar com as hierarquias da vida privada, restringindo a participação feminina na esfera pública, colocando as mulheres em uma condição de sub-representação no debate público.
Para a participação das mulheres na esfera pública, impõe-se filtros que estão vinculados às responsabilidades a elas atribuídas na esfera privada e à construção de sentido do feminino que ainda guardam relação com a noção de domesticidade (BIROLI, 2018, p.11)
Deste modo, mesmo as mulheres sendo a maioria da população e do eleitorado, acabam por eleger candidatos homens para os cargos eletivos. A representação dos homens como dominantes é aceita como algo normal por preceitos que estão no inconsciente coletivo. Conforme explica Bourdieu (2007), as pessoas incorporam essa relação como algo naturalizado na sociedade e reproduzem essa forma de violência.
Essa aceitação de que a política é um campo predominantemente masculino e que cada gênero ocupa um determinado local na organização social também é destacada por Panke (2016, p. 73), que afirma que “Muito além das questões biológicas, gênero significa uma construção cultural que estabelece comportamentos esperados a partir das diferenças biológicas”.
Neste sentido, Bourdieu explica que a divisão entre os sexos está presente em toda a ordem social, como algo incorporado à sociedade que funciona como um esquema de percepção, de pensamento e de ação. “A divisão entre os sexos parece estar na ‘ordem social das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável” (2007, p.17).
Os estudos das relações sociais de gênero corroboram o que se observa na prática na Câmara Municipal de Curitiba – a dificuldade imposta às mulheres para que tenham acesso à esfera pública. Ao longo da história, em 17 legislaturas, entre 1947 e 2018, apenas 24 mulheres ocuparam o cargo de vereadora da cidade. Sendo que a partir dos anos 2000 se observa um aumento gradativo no número de mulheres eleitas para o cargo, a cada eleição. Os dados fazem parte de um resgate histórico feito pela presidência da casa em 2014, inaugurado em 2018, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
*Karina Lançoni Bernardi é jornalista, aluna do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral (CEL/UFPR)
REFERÊNCIAS
BIROLI, F. Gênero e Desigualdades – Limites da Democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007
BRABO, Tânia Suely Antonelli Marcelino. Gênero e Poder Local. São Paulo: Humanitas, 2008.
CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA (CMC). Galeria Vereadoras na Política de Curitiba. Publicado em 08 de março de 2018. Disponível em: https://www.cmc.pr.gov.br/nossamemoria/galeriadevereadorasdecuritiba/index.php Acesso: 18 julho 2019.
Inter-Parliamentary Union. Women in Politics: 2019. Disponível em: https://ipu.org/resources/publications/reports/2019-03/women-in-parliament-in-2018-year-in-review. Acesso: 17/08/2019
MIGUEL, Luis Felipe. Política de interesses, política do desvelo: representação e “singularidade feminina”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 1. pp. 253-267.jan. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n1/8614.pdf>. Acesso: 04 maio 2018
PANKE, L. Campanhas Eleitorais para Mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016
SALGADO, E. D.; GUIMARÃES, G.; MONTE-ALTO, E. V. Cotas de Gênero na política: entre a história, as urnas e o parlamento. Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero & Direito (UFPB), v. 1, p. 156-182, 2015.