O projeto de lei que dispensa a rotulagem de produtos transgênicos (organismos geneticamente modificados – OGMs) no Brasil, de autoria do deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS), passou na Comissão do Meio Ambiente do Senado na semana passada (17/04/2018). O PL 34 de 2015 quer extinguir o triângulo amarelo com o T das embalagens e se tornou uma demanda prioritária da bancada ruralista no Congresso. A proposta aventa a possibilidade apenas de que letrinhas pequenas indiquem transgênicos na composição. Assim, a matéria tramitou e foi aprovada na CMA sob a relatoria do senador Cidinho Santos (PR-MT). A análise do projeto será feita agora pela Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC). Em outra pauta, hoje, 25 de abril, será votado, em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o parecer do Projeto de Lei (PL) 6299/2002, de autoria de Blairo Maggi (PP-MT), atual Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Conhecido como Rei da Soja, nesse PL o autor propõe alterações na atual Lei dos Agrotóxicos, sancionada em 1989. Com a alcunha de “Pacote do Veneno”, entre as propostas está a substituição do nome “agrotóxicos” por “defensivo fitossanitário”. O problema dos agrotóxicos está amplamente tratado neste estudo. Destaca-se que todos esses políticos possivelmente tentem reeleição em algum cargo público nas eleições 2018.
O projeto de lei de Heinze quer alterar a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) para “liberar os produtores de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes transgênicos quando esta se der em porcentagem inferior a 1% da composição total do produto alimentício” (PL 34/2015). Antes disso, refere-se que a tramitação de licenças para comercialização de transgênicos na CTNBio brasileira é permeada de controvérsias e de problemas de conflito de interesses, fora dos holofotes da mídia. Por outro lado, a ponta do iceberg da operação destes poderes no país surge nos trâmites políticos dos deputados e senadores. Kátia Abreu se filiou ao PDT, por exemplo, pode ter recebido vernizes esquerdistas, mas é alinhada à bancada ruralista. Nos últimos anos, a questão dos transgênicos e dos agrotóxicos colocou o Brasil em uma perspectiva de subalternidade em relação às corporações. Somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo e o segundo produtor mundial de transgênicos, atrás dos Estados Unidos. As razões de sermos líderes em transgenia e agrotóxico são pouco problematizadas e expostas ao debate. Desde 2016, por outro lado, a campanha publicitária o “agro é pop” tem considerável visibilidade na Rede Globo, demonstrando estratégica visibilidade dos interesses da bancada ruralista do Congresso.
No Brasil, apesar das implicações dos transgênicos e agrotóxicos não serem compreendidas totalmente pela percepção social brasileira, esta quer ser informada – o que não é muito diferente dos Estados Unidos. Estudos sobre as percepções públicas estadunidenses evidenciaram que a maioria das pessoas são favoráveis à rotulagem de OGMs nos Estados Unidos (HEMPHILL, BANERJEE, 2015, p. 443-444).
O debate sobre os transgênicos já foi e ainda permanece assunto de controvérsia global e tematiza as pesquisas no campo interdisciplinar dos estudos sociais da ciência, tecnologia e sociedade (Science, Technology and Society – STS). Esse campo é o que permite discutir, a partir de variadas perspectivas incluindo da Comunicação e do Direito, as problemáticas de temas transversais à sociedade.
Nos Estados Unidos e na Europa os transgênicos suscitaram e suscitam posicionamentos acirrados sobre a rotulagem dos transgênicos. Observa-se que na Europa, principalmente, os transgênicos geraram moratória e são fortemente rejeitados pela sociedade (BONNY, 2013). Inclusive nos países desenvolvidos o incentivo e o mercado de orgânicos, estes considerados produtos mais seguros para consumo, cresceu e o ativismo de movimentos organizados como do ETC Group é notável.
A contestação de grupos organizados e uma população mais informada apresentam argumentos sobre problemas de saúde imediatos causados por transgênicos e agrotóxicos, como alergias e, no longo prazo, riscos de carcinogênese. Para além de legumes, frutas e alimentos ultra processados, as incertezas sobre os efeitos na meio ambiente com o plantio de transgênicos e a pervasividade desta tecnologia na carne de animais alimentados com OGMs são as implicações mais sérias. A problemática do aprisionamento de agricultores às grandes corporações na obrigação do uso de sementes transgênicas de marcas específicas está conectada com o aumento do uso de agrotóxicos para combate de pragas mais potentes e as implicações da polinização aberta e da lei dos cultivares a partir das sementes vendidas pela Monsanto.
Coincidentemente, o poder das corporações acaba de mostrar mais uma face nessa enseada, com o fortalecido dos conglomerados globais empresariais na fusão da Monsanto e da Bayer, duas gigantes da indústria genética e química. Mas não apenas estas duas empresas são personagens deste quadro de poder e de ciência, como aponta o especialista no assunto, o professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPR Victor Pelaez. Compõem o cenário ainda na produção de sementes transgênicas e agrotóxicos a Dupont, a Dow e a Syngenta. Nesse viés, aponta Pelaez (2016), a transgenia como iniciativa da “revolução verde” traz como impacto a indução ao monocultivo produzido em grande escala e o desenvolvimento de sementes que são resistentes a herbicidas que vão demandar mais herbicidas. O que força a utilização destes produtos cada vez mais tóxicos e chega ao consumo humano em uma combinação sinérgica cujos impactos são desconhecidos às pessoas e ao ambiente.
Há considerações relevantes para verificação no Código de Defesa do Consumidor e na Comunicação justamente pela ausência da temática no debate público brasileiro. Refere-se, especificamente, o silenciamento desse assunto em suas abordagens de interesse público no jornalismo midiático. Como aponta Orlandi (2009, p. 11), o silêncio tem sentido e o modo de estar em silêncio corresponde a como as palavras não ditas “transpiram silêncio”. Nessa linha, Larangeira (2015, p. 81), destaca que o silêncio é “sujeito de um processo de conexão ideológica” dando-se a ver em disposição e/ou supressão morfológica em processos como a materialização do jornalismo em sua “camada macroposicional do discurso.”
Uma das considerações é a evidente complexidade que temas como este envolvem, em que as políticas públicas de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil são distanciadas da população brasileira pelos obstáculos do baixo nível escolar e de crítica, e da falta de engajamento público para acompanhamento de questões como transgênicos, nanotecnologia, CRISPR, etc. Dessa forma, nesta fase em que o Brasil se encontra, de domínio de interesses privatistas no Congresso com as bancadas alinhadas à direita, as condições são ideais para que pautas que não convergem ao interesse público avancem mesmo que tenham desaprovação da população informada que se manifesta.
No governo britânico, o objetivo de superar o déficit do diálogo público sobre questões de C&T, que afetam diretamente o cotidiano e os padrões de consumo da população, teve impulso em 2003. A terceira via britânica criou um programa para promover o diálogo público engajado sobre campos emergentes e potencialmente controversos em C&T, como os transgênicos e a nanotecnologia. Demais episódios como este aconteceram a nível de União Europeia, como na Alemanha.
Thorpe (2010) ressalta que muitos estudiosos se engajaram e vem acompanhando essas problemáticas por considerarem que a participação significa a abertura de pressupostos políticos e epistemológicos de decisões tomadas por políticos. Com um debate transparente, aponta este autor, a população se engaja sobre essas questões, o que torna o terreno mais propício para produção de ciência e política mais democráticas, reflexivas e socialmente robustas.
A outra questão se refere à evidente lacuna de informação sobre os efeitos dos transgênicos a longo prazo diante de argumentos e estudos insistentes e repetitivos sobre a não existência de riscos – muitas vezes estudos produzidos pelas próprias corporações que têm interesse no avanço dos transgênicos. Essas afirmações tentam se legitimar sobre análises e pesquisas restritas em diversos âmbitos, mas que encontram no conceito de Hess (2010, p. 185) sobre “ciência não feita” a distinção mais realista sobre as prioridades científicas de desenvolvimento de aplicações de mercado rápidas em detrimento de estudos aprofundados sobre riscos e implicações a médio e longo prazo. Diante da rejeição, estas inovações, portanto, apresentam conflitos internos, em camadas que não estão em visibilidade pública ou que são silenciadas, na apresentação e efetivação de seus processos e produtos (PINCH; BJIKER, 2008).
Direito do Consumidor e transgênicos
Cabe considerar que, em face dos riscos de tecnologias como os transgênicos, se tornam mais necessárias as observações sobre as determinações que tratam dos direitos do consumidor no que tange ao direito à informação (dever de informar e ser informado) e a qualidade do produto quanto à proteção à saúde e segurança (artigo 6odo CDC). Afinal, as razões para rotulagem se ancoram no campo jurídico e são o direito de saber, o direito de escolha e o direito ético (HEMPHILL, BANERJEE, 2015, p. 438).
Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor é citado à luz da tutela sobre a falta de dados a longo prazo e de pesquisa sobre transgênicos para demandar o uso da rotulagem de transgênicos. É dever do fornecedor de transgênicos informar o consumidor sobre a natureza destes novos produtos, incluindo os produtores de carne informar sobre a composição do alimento dos animais. A obrigação legal dos artigos do CDC visa a proteção do consumidor, este vulnerável e hipossuficiente nas relações consumeristas em que o fornecedor é o especialista detentor da informação sobre o produto. O panorama da rotulagem de alimentos transgênicos mobiliza perspectivas dos principais interessados – consumidores e indústria de alimentos.
Dos princípios e normas constitucionais extensivas ao CDC que se aplicam à tutela do consumidor de transgênicos, ressalta-se a dignidade da pessoa humana (cf. art. 6 da CRFB) no que tange aos direitos sociais à segurança e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (cf. art 225 da CRFB). O detalhamento da extensão do direito do consumidor de ser informado pelo fornecedor através de informações e/ou publicidade tem relevada sua vulnerabilidade no CDC. Essa proteção se sobressai porque “no âmbito constitucional o direito de ser informado é menos amplo do que no sistema infraconstitucional de defesa do consumidor”, visto que “o dever de ser informado nasce, sempre, do dever que alguém tem de informar” (NUNES, 2000, p. 50).
Segundo Efing (2014, p. 71), é essencial que a publicidade enquanto ferramenta de informação “atenda à finalidade de desenvolvimento sustentável – humano, social, ambiental e econômico.” Informações completas promovem a liberdade de escolha a partir de dados corretos e confiáveis e integram o regime de educação, além de respeitarem o princípio da transparência. Tais princípios se pulverizam para a responsabilidade social da publicidade de consumo como informativa e não voltada à manipulação da informação, como ponto de cumprimento do Direito. Tem-se aí a redescoberta da real finalidade da publicidade: “fornecer informações, promover atos que irão beneficiar os anunciantes, e, sobretudo, desenvolver a consciência do ato de consumir, refletindo em qualidade de vida e dignidade aos consumidores” (EFING, 2014, p.71).
De acordo com Pasqualotto (1997, p. 25), a publicidade no CDC é entendida como toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa. Nesse contexto, Gomes (2001, p. 90) avalia que a publicidade corresponde à produção massificada capitalista, também destinada à massa de consumidores, “passando a ter explícita ou tacitamente a finalidade de exercer uma influência sobre os consumidores, direcionando sua opção de consumo para determinado produto ou determinada marca.”[1]Na mesma direção, Nunes (2000, p. 50) coloca que, “quanto ao dever de informar das pessoas em geral e das pessoas jurídicas com natureza jurídica privada, é o CDC que estabelece tal obrigatoriedade ao fornecedor” dada a natureza de obrigação de defesa do consumidor.
Diante do que discute-se aqui, e como bem refere Almeida (2013, p. 341), a informação é um elemento fundamental para assegurar a liberdade de escolha do consumidor. É um dos elementos, se não o principal, que concretiza a materialidade na relação de consumo e que contribui para o equilíbrio com vistas a uma relação harmoniosa entre os sujeitos consumidor e fornecedor. Infere-se neste sentido mais um elemento do mundo do consumidor nas prerrogativas da segurança alimentar. No campo da comunicação política e no caso concreto dos transgênicos, fica a sugestão para que a mídia brasileira não continue a silenciar essa face do “agro é pop”.
Josemari Poerschke de Quevedo – Doutoranda em Políticas Públicas pela UFPR, Mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS. Membro dos Grupos de Pesquisa Comunicação Eleitoral e Tecnologias Emergentes e Sociedade. Email: josemari.quevedo@gmail.com
Referências
ALMEIDA, Fabrício Bolzan. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo, 2013.
BONNY, Sylvie. Why are most Europeans opposed to GMOs? Factors explaining rejection in France and Europe. Electronic Journal of Biotechnology. Vol.6, No.1,, Issue of April 15, 2003.
EFING, Antônio Carlos. O comportamento do consumidor sob influência da publicidade e a garantia constitucional da dignidade humana. Revista de Direitos Fundamentals e Democracia, Curitiba, v. 16, n. 16, p. 70-94, 2014.
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade Civil-Dano e Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
HEMPHILL, Thomas.; BANERJEE, Syangnik. Genetically Modified Organisms and the U.S. Retail Food Labeling Controversy: Consumer Perceptions, Regulation, and Public Policy. Business and Society Review120 (3), pp. 435–464, 2015.
HESS, David. “The Environmental, Health, and Safety Implications of Nanotechnology: Environmental Organizations and Undone Science in the United States.” Exploring the Environmental, Health, and Safety implications of Nanotechnology. Science as Culture, 19 (2), p.181-214, 2010.
LARANGEIRA, Álvaro. Silêncios permissivos: os cadernos especiais da Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil no 10o ano do regime militar. Anais do III Colóquio Internacional Os Silêncios do Jornalismo, Mejor, UFSC, 2015.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: movimento dos sentidos. 6aed. Campinas: Editora Unicamp, 2009.
PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no código de defesa do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
PELAEZ, Victor. Entrevista concedida na matéria “Modelo agrícola alternativo corre o risco de ser controlado pelas multinacionais”. Revista IHU On-Line. Publicada em 27 de setembro de 2016.
PINCH, Trevor; BJIKER, Wiebe. La construcción social de hechos y de artefactos: o acerca de cómo la sociología de la ciencia y la sociología de la tecnología pueden beneficiarse mutuamente. In. THOMAS, H. & BUCH, A. (eds) Actos, actores y artefactos. Sociología de la tecnología. Quilmes: Universidad Nacional de Quilmes, 2008.
THORPE, Charles. Participation as Post-Fordist Politics: Demos, New Labour, and Science Policy.Minerva, 48:389–411, 2010.
[1]É de nosso conhecimento as diferenças entre publicidade e propaganda, mas aos fins do presente trabalho interessa justamente o foco da publicidade de anúncio do produto visando atrair a atenção do consumidor.